domingo, 5 de fevereiro de 2012

Inundar Buenos Aires


Quando os generais brasileiros decidiram construir a represa de Itaipu, no tamanho que ficou, inundando 100 km rio acima e acabando com as cataratas de Sete Quedas,  houve muita especulação sobre o uso estratégico da barragem como arma num possível confronto com a Argentina. Naquela época, 1974, enquanto o Brasil estava mergulhado no terror policial, o país vizinho vivia em plena democracia, com Perón de volta ao poder. Lembro-me que houve protestos diplomáticos, devidamente ignorados pelas ditaduras do Brasil e Paraguai, sócios no empreendimento, ainda que o Paraguai não tenha entrado com um centavo próprio. A repercussão da obra no Brasil sòmente iria ganhar algum destaque quando já estava no seu auge, final dos anos 70, graças ao gigantismo que transformou toda a região. Importavam operários de todo o cone sul.  Conheci no Chile um pedreiro que encantou-se com o som do meu português falado e chorava de emoção, lembrando os tempos que trabalhou na obra. Só depois dos anos 80, com a ditadura já morimbunda e o fechamento das comportas, foi que um incipiente movimento ambientalista organizou vários protestos contra o absurdo. Se tivessem diminuído a potência dos geradores, poderíamos ter salvo as Sete Quedas. E milhares de fazendas, como a de meu tio. Mas, aí não dava para inundar Buenos Aires.

As ditaduras são assim. O poder se reproduz diretamente do topo para a base, em poucas camadas intermediárias. Praticamente não se discute nada, a não ser pela cúpula, e tudo se decide de acordo com os interesses da ordem que comanda. Isso é péssimo para todos, inclusive para a estrutura de poder, que se corrói por dentro e aos poucos vai perdendo o foco da causa inicial, mesmo que fosse justa e correta. Este é o fim de todas as ditaduras, independente de sua origem. Veja o caso de Cuba. Ali não tem mais ideologia nenhuma, a não ser a preservação dos privilégios da casta dirigente. Digo isso por que ainda ontem estava de conversa com um senhor da minha idade, típico pai de família bem comportado, que lastimava os tempos de hoje, lembrando como era bom e seguro viver sob o taco militar. Quando eu questionei, muito de leve, que não tínhamos liberdade, ele argumentou que esse atributo não enche barriga e que o importante era ter pleno emprego e desenvolvimento, quando o Brasil vivia seu milagre econômico. Perguntei-lhe se alguma vez já tinha conversado com alguém que tivesse sido preso político durante a  ditadura.  Disse que não, por que ele "não se metia com gente dessa laia", condenando peremptoriamente o virtual cidadão privado do seu direito de existir, uma vez que ficava completamente à mercê de seus captores, que com ele faziam o que bem entendessem. Mesmo gente comum do povo, funcionários públicos ou comerciários, pegos em falso ou apanhados nas blitzes, ficavam incomunicáveis até que provassem que focinho de porco não era tomada.


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