domingo, 5 de fevereiro de 2012

PAIXÃO E FÉ




Leio num importante jornal de Lisboa uma entrevista com a nossa roqueira famosa, Rita Lee, a mais completa tradução da cidade de São Paulo, conforme opinião de Caetano Veloso na sua canção obra-prima “Sampa”.   No longo bate-papo com um veterano jornalista, Rita fala com bastante generosidade dos detalhes de sua vida de artista e conta coisas interessantes, como um espetáculo que realizou em Lisboa nos anos 60 e escandalizou o público com seus rebolados de mini-saia. Difícil de acreditar, não é? Não consta que entre seus predicados estejam os atributos "coxas grossas e morenas", conforme sabemos ser a preferência dos portugueses. Ao contrário, ela mais parece uma simpática vassoura colorida, tipo uma boneca Emília adulta, com todo respeito derivado de nossa profunda admiração musical. 

Portanto, onde o motivo para escândalos? Se houve algum, deve ter sido por conta das bizarrices da banda Os Mutantes, onde ela atuava ao lado do então marido, mas jamais pelos rebolados. Estou falando algum absurdo? Enfim, também não vamos aqui frustrar fantasias antigas de quem quer que seja... 

O que realmente me surpreendeu na entrevista foi que, a certa altura ela declara-se devota de Nossa Senhora de Fátima, cujo santuário diz visitar regularmente para pagar promessas passadas e fazer novos pedidos.    

O “Rock and Roll” sempre foi considerado música demoníaca, feita para o deus grego Dionísio, das bacanais e das farras, tanto que as bandas mais famosas sempre usaram e abusaram de títulos, letras e principalmente gestos altamente provocativos para a moral comum, tais como o uso intensivo de drogas, costume que levou vários dos superstars à morte prematura. Não é que agora chega uma das mais representativas personagens do velho rock e não só declara ser adepta do culto à Nossa Senhora mas que também a vê de vez em quando; e até mantém contato metafísico com ela...!!! Sinal dos tempos ou muita brilhantina no cabelo?  

Uma possível explicação para fenômenos como esse pode ser o continente de segurança que representa um ritual tão conservador como este de Nossa Senhora de Fátima, diante do mundo efêmero e volúvel dos espetáculos e vaidades.

 Mosteiro dos Jerônimos. 
Construído para enaltecer a fé católica de Portugal e impressionar 
os viajantes estrangeiros que entravam pelo Rio Tejo. 
Uma das mais valiosas maravilhas da arquitetura quinhentista. 


Num santuário cristão o chão é mais firme e as verdades são mais claramente identificadas.  O certo está estampado nos discursos dos pregadores, assim como a condenação dos pecadores não admite dúvidas. Um exemplo aleatório dessa verdade eu  notei durante a pregação na missa de domingo, quando o padre valorizava o trabalho das missões católicas ao longo da história, as quais, segundo ele, salvou do inferno milhões de pessoas que, de outro modo seriam condenadas peremptoriamente pela falta do necessário batismo, mostrando que realmente o catolicismo cada vez mais caminha para o fundamentalismo, pois apenas trinta anos atrás a teologia da libertação questionava seriamente o papel das missões evangelizadoras no período colonial, que teriam sido co-responsáveis pela extinção de muitas populações locais como os Incas, Maias e outras várias tribos indígenas,  as quais viviam sob outras concepções religiosas tão puras na sua verdade quanto o cristianismo.

Agora mesmo, o Papa Francisco, com todo seu carisma está passando uma saia justa no território Mapuche no sul do Chile, por conta do passado inglório para as missões católicas, diante do massacre dos índios daquela região, durante os  anos da conquista pelos colonizadores europeus. Do outro lado dos Andes, as forças armadas argentinas empreendiam iguais expedições para matar Mapuches argentinos, tudo sob as "bendiciones" do arcebispo de Buenos Aires, cargo antes  notoriamente  ocupado  pelo atual Papa. 


Por outro lado, a crença dogmática nas verdades absolutas simplifica as coisas, por isso vem tanta gente peregrinar nestas paragens de Fátima.  Eles vêm a procura de experiências espirituais tão verdadeiras e regeneradoras como as vivenciadas por grandes mestres do misticismo. São pessoas simples, que não querem questionar nada, já nasceram dentro da religião pronta e estabelecida, casaram e nela batizaram seus filhos. A menos que aconteça uma grande tragédia em suas vidas, algo tão importante que lhes virem a vida dos pés à cabeça, eles jamais mudarão de religião. Pode ser até que se afastem um pouco, dediquem-se temporariamente mais às tarefas de administrar o cotidiano, mas, ante qualquer ameaça ou diante do imponderável, voltam rapidinho às suas práticas religiosas, intermediadas pelos sacerdotes representantes dos interesses do mundo religioso, sem os quais a população comum não concebe a existência da religiosidade. Isso vale para todas as religiões, inclusive as não cristãs. Imaginem o budismo sem os monges!  No entanto, é perfeitamente possível a comunhão com o divino sem qualquer auxílio intermediário.  Mas não é o que conta no momento, aqui em Fátima, onde tudo gira em torno da estrutura hierárquica católica.





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