terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

O imaginário som do Clube da Esquina


Em 1970 a gravadora Odeon lançou um disco chamado Som Imaginário. O cantor era Milton Nascimento e a banda que lhe dava suporte foi uma das melhores já formadas no país.  Durou tres anos com esse nome, período no qual passaram por sua formação músicos como Naná Vasconcelos, Wagner Tiso, Robertinho Silva, Zé Rodrix, Tavito, Fredera, Nivaldo Ornellas, Lô Borges, Cláudio e Flávio Venturini, Beto Guedes, Sá, Guarabira e Toninho Horta. Músicos que fizeram longas e bem sucedidas carreiras internacionais, como Toninho Horta e Naná Vasconcelos, ou que ficaram em suas pequenas cidades do interior de Minas Gerais, como o guitarrista Fredera, em Alfenas, ou Tavito, que voltou para suas raízes sertanejas na tranquila Curral del Rey. Em torno do grupo, circulavam ainda certos compositores que mudariam a cara da música brasileira, como Fernando Brandt, Márcio Borges e Ronaldo Bastos. Nem todos eram mineiros, mas o que os conectava era a verdadeira veneração por um sujeito adotado por Minas,  Milton Nascimento, que havia composto com os irmãos Márcio e Lô Borges duas canções chamadas Clube da Esquina.




O som que esse pessoal fazia vinha do rock progressivo inglês, misturado com barulhos dos carros de bois de Minas Gerais. Era fundo musical de Atahualpa Yupánki para Peter Gabriel, Pena Branca&Chavantinho com arranjos de Roger Waters, temperados com o veneno glamouroso de uma das vozes mais belas da humanidade, a do Milton com trinta anos de idade, ainda não corroída pelo álcool. As canções eram prolixas, complicadas e herméticas, usando a voz humana como mais um instrumento musical.  Uma das primeiras aparições oficiais do grupo Som Imaginário, como banda independente, foi na TV. O curioso é que certas peças não eram censuradas, em pleno regime da censura prévia, talvez por que os censores não as entendessem. Se a Televisão brasileira soubesse que "Feira Moderna" é uma ácida crítica a ela mesma, talvez a canção não tivesse feito carreira tão longa. Aquele novo som provocava espasmos de satisfação, de um lado, mas tinha o repúdio dos músicos bem comportados da bossa nova, por exemplo.


Em 1973 Milton Nascimento resolveu perder a timidez. Organizou um grande concerto, com o qual correria o país e faria sua ascenção internacional. A estréia de "Milagre dos Peixes" deu-se no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, mas, ao longo de dois anos ele tocou tanto em  grandes teatros municipais, em festivais universitários pelo interior do país, ao ar livre, com a orquestra e o coro pendurados em armações de madeiras improvisadas. O desgaste foi grande, muitos músicos desistiam no meio das viagens, em cujos intervalos o grupo ensaiava até à perfeição numa grande casa isolada na praia de Piratininga, Niterói. Aqui já encontramos um Milton dissonante no meio de um bem afinado coro de crianças e uma orquestra sinfônica sobre a percussão de Naná Vasconcelos. O som imaginário ganhava elogios da crítica, mas perdia o apoio dos bichos grilos marginais, que migraram para outras bandas derivadas, tais como a semi-country 14 Bis ou as psicodélicas Casa de Máquinas e O Terço.  Enquanto isso,  Milton levava sua música cada vez mais longe, assombrando o mundo com sua sopa latinoamerica-africana, que dava bom caldo.



Uma das jóias que o acompanharia nos mais importantes palcos, ao lado dos grandes mestres do jazz moderno, foi a canção "Nada Será como Antes", que trata do sufoco ao qual foi submetida a população pensante brasileira durante a fase brava da ditadura. Tudo muito cifrado, afim de passar pela censura, foi colocada no álbum "Milagre dos Peixes ao Vivo", de 1974, gravado no Teatro Municipal de São Paulo, embora já estivesse no disco de 1972, o "Clube da Esquina". Nesta canção, um brasileiro se encontra com alguém, "num domingo qualquer, qualquer hora, ventania em qualquer direção" e conjecturam sobre a vida que levavam "sei que nada será como antes, amanhã".  Não se sabe para onde este personagem está indo ou de onde vem, naquele cenário onde pessoas desaparecem a toda hora, aparentemente trata-se de alguém clandestino, "Que notícias me dão dos amigos?".  No final,  entra o solo incidental de "See you in september", grande sucesso daqueles tempos, enquanto o personagem encerra a entrevista com o suposto contato, apostando em dias melhores "resistindo, na boca da noite um gosto de sol".  Virou um clássico do cancioneiro político libertário anti-ditaduras do mundo inteiro.


 

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