quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Nasci debaixo de um pé de café





Fui criado num vilarejo do norte do Paraná, entre violeiros e lavradores, que se encontravam nas vendinhas, lá pelas horas das ave-marias. Dizem que alguns desses inspirados caboclos até negociavam com o diabo, para que as cordas soassem com brilho, tanto as de aço como as vocais, e ajudassem a causar boa impressão nas mocinhas. O sucesso dessas empreitadas junto ao corisco perigoso, não cheguei a constatar, por que cedo deixei aquele paraíso da infância e fugi em direção às capitais, onde estou até hoje. Moro na Ilha de Santa Catarina, onde está a cidade de Florianópolis. Aqui crio minhas galinhas, cuido das flores e do pomar, levo minha vida simples e escrevo coisas que até deus duvida! Também canto, mas sem o mesmo brilho dos que fizeram o pacto. Sentindo saudades da terra natal, plantei alguns cafeeiros no meu quintal, mas, eles nunca deram flores. 


Quando eu criei este blog de crônicas, era para guardar aqui os textos que antes eu espalhava pelos ares. Perdi vários deles em quedas abruptas provocadas pelos ventos soprando em diversas Windows, fazendo-os cair ao chão e ficarem em estado irrecuperável. Outros, recuperei de velhas missivas eletrônicas trocadas com outros computadores, prosas carquejadas pela ferrugem do tempo. Ainda outros, os recuperei de arquivos perdidos alhures em várias pastas escondidas no meu próprio computador. Então, ficaram todos juntos num único depósito virtual. Ali, tenho assunto para qualquer conversa. 
http://laerciodoarte.blogspot.com.br/2012/02/cuentos-dela-frontera-estavamosos-dois.html


Utilizo fartamente o recurso preferido dos cronistas sem assunto. Falarei de mim mesmo! Minhas crônicas sempre trazem no espaço no lado direito da tela, um pequeno texto à guisa de auto apresentação, onde eu afirmo categoricamente na primeira frase que "nasci debaixo de um pé de café". Nada mais verdadeiro!  Assim que fui desmamado, lá pelos seis meses de vida, fui apresentado a um belo copo de café com uma gema de ovo jogada lá dentro, afim de aproveitar o calor do líquido e torná-la levemente palatável a um bebê ainda sem dentes. Disso resultou uma saúde de ferro e o primeiro vício: cafeína, rs rs rs. Depois, toda minha vida foi pautada pelas flores do cafeeiro, seus frutos vermelhos que aos pouquinhos iam ficando pretos, até serem colhidos, torrados, moídos e embalados na fábrica onde trabalhava meu velho pai. No páteo da fábrica se espalhava o sub produto do processo de fabricação: montanhas de palhas de café, formando perigosos sulcos que podiam engolir os pequenos brincalhões, fonte permanente de pânico para as abnegadas mães. Os primeiros rubores apaixonados da adolescência foram sofridos entre milhares de cafeeiros recobertos de flores branquíssimas, a esconder as folhas verdes que guarneciam cada pé de café, os pequenos arbustos formando campos inteiros de noivas estilizadas, com seus imaginários vestidos brancos. Ali, apenas apreciando a beleza indescritível de um cafeeiro florido, aprendi a escrever, enquanto sentia o aroma sem igual das toneladas de grãos pretos sendo torrados em grandes fornalhas, espalhando um certo cheiro viril e arrebatador da fumaça preta por todo o sertão do Pindura Saia. 

http://laerciodoarte.blogspot.com.br/2012/02/grande-sertao-veredas-da-alma.html


Muito antes de ser homem e ter escolhido o Campeche para viver ... 
http://laerciodoarte.blogspot.com.br/2012/02/jornada.html       

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Viajando dentro de um casulo





Entrei na Rua Francisco Dias Areias, localizada no bairro da Trindade,  e subi direto, passando da casa onde fica a sede do Centro de Metafísica Atman Amara, da mesma forma que já houvera feito na quarta feira passada,  quando fomos assistir a palestra do terapeuta Rafael de Souza, facilitador do trabalho denominado "Casulo", para o qual eu finalmente havia me inscrito, apesar de todo o medo do novo que me inaugurava naquele estilo terapêutico.  Felizmente eu havia decorado o número da casa e fiz retorno, percebendo que o local já havia passado.

Ao chegar na casa, já atrasado, a diretora Bárbara Machado, que foi minha mestra de iniciação no Reiki,  foi logo sapecando: "É melhor acertar o pagamento agora, por que depois você pode sair do ar, né...".  Eu, que já vinha meio assustado pelo caminho, tive um ligeiro estremecimento e brinquei, pra disfarçar a ansiedade: "É, pode ser também que eu acabe desistindo no meio da sessão, né, então é melhor garantir o faturamento já.".  Ela deu um sorrisinho amarelo, meio envergonhada, e foi aí que  percebi que sua pequena gafe deu-se por conta da completa inapetência para os assuntos comerciais. Também entendi o motivo pelo qual a placa que identifica o Centro  não dá pra ver da rua, pois está colocada na parede do piso inferior, quando o cliente já adentrou à casa e se dirige para as salas de trabalho. Percebi que a discrição, aliada a uma certa ineficiência marquetológica, é parte integrante da filosofia desse pessoal ligado aos movimentos inspirados na Teosofia, espécie de relicário de conceitos  espiritualistas orientais,  sistematizada no final do século XIX pela mística russa Helena Bravatski, da qual derivaram alguns dos principais movimentos esotéricos do século XX.




O Rafael, responsável pelo trabalho do "Casulo", apesar de muito jovem, já é um experimentado xamã e terapeuta corporal, trabalhando também com as técnicas da  Sauna Sagrada. Passou por vários caminhos, incluindo ritos amazônicos, e seu foco atual está no trabalho com sons atávicos, associados à aromaterapia, usando intensamente plantas medicinais e do universo memorial e emotivo do cliente. Ele explicou-me que eu seria colocado deitado sobre um colchonete, envolvido por cobertores, e que eu deveria unicamente prestar atenção no que acontecesse, fosse o que fosse.

Sobre minha barriga seria colocado um recipiente de couro contendo o chá derivado das plantas que eu trouxera, mais algumas que ele próprio havia providenciado. Disse que o chá iria aquecer meu corpo e que o trabalho demoraria entre 60 e 90 minutos, mas, eu não deveria me preocupar com isso, pois ele estaria o tempo todo ao meu lado e dirigiria o trabalho.

E assim foi. Durante algum tempo eu ainda estava muito tenso, aflito diante do desconhecido e do imponderável,  e, por isso mesmo, a respiração profunda a que me propunha se dava com alguma dificuldade. Através de exercícios de relaxamento muscular, associados às técnicas respiratórias, fui perdendo o medo e me deixando conduzir pelas sensações provocadas pelos cheiros e pelos sons atávicos.  Os aromas não vinham apenas do chá, sobre minha barriga, mas também das plantas espalhadas ao natural ao lado do colchonete e, principalmente, vaporizados pelo terapeuta a partir de frascos que ele mesmo havia preparado, como parte de seu instrumental permanente de trabalho, que incluem também incensos e velas.

Assim como os aromas, os sons também me influenciavam para sentir prazer ou desconforto. Diante de alguns cheiros-sons eu entrava num estado de plenitude e, diante de outros, o pânico batia às portas da minha sensibilidade. O que me ajudou muitíssimo a passar ambas as experiências, foi a orientação que recebi para que apenas observasse. Então, procurei não intervir em nada, de modo que mesmo as sensações desagradáveis não atingiam o estado de pavor, por que estas perdiam importância no exato momento em que minha consciência se dava conta de que não passavam de fantasia. Se as sensações estavam relacionadas a alguma situação penosa, acontecida na infância, por exemplo, o ato de simplesmente observar devolvia-me à realidade de que aquilo deu-se no passado remoto e não mais faz parte da minha realidade presente. Isto foi fundamental para que o pânico não tomasse conta de minha mente, em determinados momentos de angústia, nos quais minha boca secava e eu me parecia sufocar.  E assim também foi com os momentos de êxtase. Eu sempre procurava não perder a consciência, ou seja, não entrar no moinho de energias que conduziam para o estado de prazer absoluto, que eu sabia estar relacionado com a proximidade do prana  cósmico, da energia universal, ou seja, do contato com a energia da Fonte Divina.

Num certo momento, que não sei precisar a duração, meu corpo vibrava ao som da música. Dos meus pulmões saia um ar bendito, passando pelas cordas vocais, que produziam um som parecido com o "OM", o som do universo na mitologia indiana, e eu sentia que era fundamental expressar aquele som. E quanto mais minha respiração se aprofundava no processo, quanto mais demorada era a etapa de expelição do ar pela voz, mais prazeroso se tornava.  Era um prazer orgástico!

Tentando sempre manter a condição de observador, e apenas neste papel, penso que tenha me ajudado  a fazer uma limpeza consciente das manchas que estão agregadas à minha estrutura de caráter, devido aos longos anos de adaptação às condições do mundo externo, competitivo e repressor. Como também sabemos, este é um dos fundamentos da teoria do encouraçamento muscular, estudada profundamente por Wilhelm Reich no início do século passado, e que resultou no desenvolvimento da Bioenergética. 

Por duas ou três vezes vi uma luz muito brilhante (note-se que eu estava de olhos fechados, com uma toalha cobrindo os olhos) e racionalizei na ocasião que o terapeuta havia colocado uma destas lanternas à lazer para iluminar meu rosto, tamanha era a intensidade do brilho (não riam, crianças!).  Posteriormente, depois da sessão encerrada, eu lhe perguntei se houve isso e ele me garantiu que nunca acendeu qualquer lâmpada na sala e especulou se, por acaso, eu não havia enxergado o brilho das velas que estavam acesas, atrás da minha cabeça. Com certeza não, eu concluí, pois a luz era bem na vertical e muito mais intensa do que uma vela poderia brilhar. Ainda não ouso especular sobre a origem ou o significado daquela Luz. Só espero que ela continue me acompanhando pela vida afora ...



O que posso dizer é que foi uma das meditações mais profundas que já experimentei em minha vida atual, uma vez que não tenho acesso aos registros akáshicos no meu corpo mental, para avaliar como foram as experiências em outras vidas,  rs rs rs. Quando o trabalho terminou, havia se passado cento e poucos  minutos e, ao voltarmos para a sala de recepção do Centro de Metafísica, a Bárbara me olhou e comentou: "Puxa vida, você é outra pessoa, heim?" E eu perguntei: "Como sabes?", ao que ela completou: "Ora bolas, o teu rosto está dizendo isto!"


Então caímos todos numa gostosa gargalhada.  E eu saí para a rua, leve como um passarinho,  na monumental noite domingueira de Floripa.