quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Canções para a solidão das estradas



--"Desça deste cavalo e passe a noite comigo. Eu te amo, Henry, e tudo de melhor que tiver eu te oferecerei".
---"Eu não posso descer e passar a noite com você. Uma outra pequena e linda garota espera por mim em Cornersville, e eu a amo mais que tudo nesta vida".

Assim começa a canção "Love Henry", mais um romance de cowboys estradeiros, dos muitos que Bob Dylan recolheu do folclore e recriou,  na sua sina de retratar o velho oeste norte americano.  A música típica que embalou aquele período da história foi o ritmo hoje conhecido como "countrie", cheia de erros de gramática e muito pouco literária, fazendo mais o estilo seco, direto e cruel, pois, na verdade os vaqueiros e trabalhadores envolvidos nas disputas e nas guerras da conquista, eram quase todos analfabetos, com pouca erudição cultural. Ainda assim, a conquista do oeste entrou no imaginário mundial como algo fantástico e grandioso.   A Europa logo se encantou com os cowboys e suas histórias. Muitos espetáculos se realizavam nos teatros mais chiques daquela época, estrelados por rudes cantadores de voz rouca e poucos recursos musicais. Sua principal atração e motivo de admiração geral eram as canções de estrada, as baladas que retratavam o novo continente que se construía do outro lado do oceano. Há notícias de vários espetáculos em teatros chiques de Paris, Viena, Londres, etc, principalmente no período da guerra civil, 1860-1865. 

Esta canção cowboy específica, que abre esta crônica, tem suas origens provavelmente na Escócia nos anos 1700. Termina de forma trágica, como muitas vidas jovens daquele tempo, ceifadas por equívocos monumentais, como a morte do jovem cowboy assassinado com uma facada certeira pela jovem enciumada, que o queria só para si, após seduzi-lo a baixar a guarda e acompanhá-la num bom whiskie de milho, enquanto o amanhecer não chegava.  

---"Levante vôo, meu pequeno pássaro colorido e aqueça meu joelho direito. As portas da sua gaiola serão revestidas de ouro e estarão suspensas num pé de salgueiro".
---"Eu não posso voar, eu não quero voar e aquecer seu joelho. Uma garota capaz de matar seu verdadeiro amor, também mataria um pequeno pássaro como eu".





A maioria das canções herdadas desse período não possuem origem comprovada nem "certidão de registro", apenas especulações e lembranças desgarradas umas das outras, inviáveis para serem consideradas provas históricas. Essa que vem a seguir, provavelmente veio da Inglaterra nos anos 1830. Foi um importante sucesso nos anos 1960 e 70, gravada por músicos famosos. A balada conta a história de uma moça que se disfarça de marinheiro, afim de embarcar num navio e seguir  em busca de seu amor, Jack-a-roe, que desertou de seu pelotão durante uma guerra e fugiu. Ela vai atrás dele na América.  





O filme "Brother, where art thou?", uma dos obras primas dos Irmãos Cohen, está repleto dessas canções de cowboys brancos, juntamente com famosos spirituals negros. A música mais tocada naquele filme, apresentada em várias versões, é "Man of Constant Sorrow",  cuja origem provável está na Irlanda dos anos 1880. Foi adaptada pelos colonos irlandeses e contextualizada ora para o Kentucky, ora para o Colorado. Em todo caso, é um "sofrimento constante" apenas alegórico, embora pudesse ter sido verdadeiro na Irlanda de 1880. Por detrás das reclamações do cantante, está sua esperteza em fugir do trabalho pesado e sonhar com uma montanha mágica onde não existe ladrões de gado nem polícia, onde não é necessário trocar as botas e meias e onde se pode mergulhar num lago de whiskie ou colher cigarros diretamente das árvores. 








Um comentário:

  1. Um achado de tesouros sabiamente resgatados por você Laércio....adorei.

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