quarta-feira, 8 de maio de 2013

Ser ou não ser. Era a questão. Agora, é Ser Humano.


Seres humanos são imperfeitos, impacientes, impermanentes e insatisfeitos.

Embora a filosofia religiosa oriental budista soubesse disso há milênios, a Igreja Católica construída pelo império romano tentou nos passar a ideia de que seres humanos poderiam ser perfeitos em vida encarnada. Essa é a noção de santidade cristã, alguém que superou em vida as contradições da existência humana. Se isso acontecesse, na visão budista, o Ser já não teria se encarnado de novo, pois estaria perfeito e iluminado. Em outra esfera, com certeza, talvez no paraíso. Para cristãos, o paraíso só será possível após o julgamento por um tribunal celestial, depois de concluída a única passagem do Ser por este vale de lágrimas. Esquisito, não?  Tudo mudou com o estudo profundo da condição humana, dos anos 1800 pra frente, quando  a ciência positivista entraria em acordo com os antigos mestres, construindo matrizes de "verdades" que deles se aproximavam.  Por exemplo, a psicanálise passou a afirmar coisas que espantavam os religiosos fundamentalistas, que logo os classificaram como a serviço do demônio. 

"Não há culpa sem prazer", afirmou o pai da psicanálise, Sigmund Freud, que escapou da fogueira apenas por que não tinha nascido em 1600. 
"Não há prazer sem riscos", acrescentou Wilhelm Reich, o pai da bioenergética, que revolucionou o pensamento ocidental ao concluir suas pesquisas sobre a função psico-física do orgasmo. Por isso mesmo, morreu envenenado numa prisão norte americana, onde tinha ido buscar abrigo fugindo dos nazistas alemães, ora veja!


Uma das condições naturais da impermanência humana é o eterno conflito de gerações. Já se ouviu dizer que as netas imitam as avós. Não há dúvida. O mundo dá voltas em torno de si mesmo há milênios. Mas, avança, ahhh, se avança. Dois passos pra frente e um para trás, rsrsrs.






A cultura de massas do século XX é uma demonstração do avanço da civilização. Até então, a arte se restringia à elite dominadora. Reis e poderosos contavam com seus casts particulares de artistas, músicos, escritores, adivinhos, mágicos e magos, enfim, todo o conhecimento artístico estava a serviço da elite. Não há dúvida que se produziram obras magníficas, inclusive aquelas feitas durante o período medieval, barroco e clássico, longo período de mil anos, onde a Igreja detinha o monopólio da música. Neste cenário se criaram grandes obras da humanidade, sob a inspiração de gênios como Bach, Mozart e Bethoven. Mas, já na segunda metade dos anos 1800 ocorreu um evento significativo, a Ópera. 

A partir de 1850 a Igreja perdia o monopólio da diversão. Já era possível romper com o padrão machista de bispos e padres, ao se encenar as aventuras de uma cigana enfeitiçada, que seduzia todos os homens, como a Carmen de Bizet, ou a mulher rainha supostamente destinada a governar a Terra, graças aos seus super poderes de fêmea, brilhantemente descrita por um russo na obra Carmina Burana.  

Mas, foi a música popular que transformou tudo. O principal evento transformador foi o canto negro spiritual norte americano, que se transformou no Blues, Jazz e Rock, que dominam o mercado até hoje. Todos os ritmos regionais, do tipo Samba, Tango, Bolero, árabes, asiáticos, africanos, indianos, etc., mesmo os que se aventuram no mercado ocidental, como a música New Age, estão longe de competir com o padrão elegido pelo mercado. Ou seja, o padrão norte americano de música. 

Ele não é necessariamente bom. Mas, é, sem dúvida, o melhor que temos. Envolvente, filosófico, questionador, transformador, midiático, meditativo, religioso, literário. Enfim, é o meu preferido também!





Isso não quer dizer que a periferia não faça boa música. Claro que faz! Constantemente, produtos da periferia do sistema capitalista adentram aos Estados Unidos e Europa, fazendo relativo sucesso, o que, pelo menos, lhes garante o sustento em suas comunidades originais.

Foi o caso de diversos artistas brasileiros, desde a clássica Carmen Miranda, que voltou da matriz com sua paródia "disseram que eu voltei americanizada". Na verdade, Carmen Miranda só fez sucesso por que correspondeu a um  apelo de mercado, propiciada pela morte inesperada de Carlos Gardel. Então, para preencher o espaço destinado aos latinos, chamaram a luso-brasileira das bananas na cabeça. Assim como Tom Jobim e seus bossa-novas, que preencheram um lack dos cubanos, que brilhavam no show business de jazz latino, e foram abruptamente cortados pela revolução cubana de Guevara-Castro em 1959.

Enfim, tudo é mercado e cada artista tem seu preço. Felizmente esta regra não se aplica a todos. Pelo menos um de nossos ídolos está fora dela:  Milton Nascimento.  Ele só  cedeu algumas poucas vezes ao Sistema, a maior parte delas em engano de consciência, seduzido por terceiros, de forma inocente e até infantil, como no apoio à campanha das Diretas Já, em 1984, com a canção "Coração de Estudante", que, depois, viria a tornar-se o hino oficial da Nova República e do governo Sarney, valha-me-nossa-senhora-do-bigode-preto! Milton sempre foi inclassificável, como na alegoria de Caetano Veloso, "salve os mil-tons e seus sons geniais". 

Nesta canção emblemática, chamada "Uma Moeda", Milton faz duo com simplesmente Flora Purim, brasileira auto exilada, então uma das grandes damas do jazz norte americano nos anos setenta.


O encontro da música de Milton Nascimento com Waine Shorter e Herbie Hanckok, em 1976, foi uma festa para os ouvidos. Nós, que estávamos totalmente isolados pela ditadura militar, podíamos nos encontrar em ambientes particulares, supostamente protegidos dos espias da repressão, beber nossa cachaça e ouvir um som de outro espaço, que nos colocava a salvo daqueles tempos bárbaros. Pelo menos pelo tempo que durava a festa... E que festas!!! 






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