terça-feira, 25 de junho de 2013

Analista

--- Como assim?  

O filósofo reagiu espantado, diante daquela bela e simpática senhora que lhe pedia uma "avaliação da minha pessoa". Ele fora pego de surpresa e não podia compreender a natureza da análise que lhe era solicitada. Também pudera, não é toda hora que lhe aparece uma mulher pedindo que a avalie. Ainda mais no caso dela, uma bonita mulher, ainda atraente no limiar da sua entrada na assim chamada meia idade, de alta classe média, gestora de uma família aparentemente muito bem estruturada, mantendo relacionamentos mais que estáveis com o marido, uma bela residência "classe a", apartamentos e investimentos bancários, filhas, carros, mãe, irmãs, amigos e todo o conjunto de influências e trocas cotidianas que formam o ambiente onde uma pessoa da sua categoria (sobre)vive. Naquele momento, o filósofo não soube responder nada. Enrolou a língua, desdisse o que não havia dito, falou da teoria do desaparecimento explícito, e ela apenas riu, se despediu linda e deliciosamente perfumada, como sempre. 



Depois, nosso cronista abobado ficou se perguntando: o que terá acontecido? Ficou muito claro que houvera um estresse no almoço de domingo em família. Parece que os nervos estavam à flor da pele, envolvendo problemas com com as filhas; a menor sofrendo inseguranças e confrontos entre as amiguinhas da escola, enquanto vivia as incertezas de sua primeira viagem sozinha, numa excursão escolar de dois dias. Obviamente o filósofo considerou motivo muito pouco convincente para tal drama conjugal. Claro, a menina é inexperiente, mas, se não começar a sair sozinha, como vai vivenciar experiências de autonomia?  Parece que a viagem é para alunos de uma escola moderna, bem gerenciada, com todo o jeito de entender bem dos chiliques dos filhos da classe média. Então, qual o problema de viajar sozinha? Ainda mais que estará suportada por toda a infra-estrutura da escola. Rusgas e competição entre as meninas? Nada que a mãe possa resolver. Aliás, este seria mais um motivo pra que a menina viajasse sozinha e aprenda a lidar com as situações de confronto. E depois, evidentemente a coisa não estaria à beira de uma tragédia, senão a própria estrutura de acompanhamento da escola já teria detectado. Viagem a lugares estranhos? Ora, isso até poderia ser um problema se a excursão fosse pra favela da Rocinha ou pro Complexo da Maré. Mas, Festa das Flores de Joinville, convenhamos, este não pode ser o motivo do estresse.

Ah, tem o caso dos desmaios da adolescente de 17 anos, a filha mais velha. Já não foi medicada? Sim, parece que não foi detectado qualquer problema físico ou psicológico. Então seria caso de chantagem emocional da pequena para os pais? Quem pode saber? 




Diante do quadro, o filósofo não pode deixar de considerar que, se não há solução para estas questões, tudo solucionado está. É simples assim, como na sabedoria popular.   Todas as questões da vida doméstica parecem ter ficado ao encargo desta esforçada senhora, a minha amiga, e esta responsabilidade certamente contribui muito para o estresse que se manifesta em noites mal dormidas,  ansiedade, palpitações no coração, tristeza, decepções. Então os casais de hoje não praticam a divisão do trabalho? Claro que sim, ela administra a   casa com piscina, gatos, cachorros e coelho, empregada, supermercado, jardineiro, leva as meninas para a escola, dança, inglês, matemática, psicólogo, ginástica, shopping, e caminha na Beira Mar Norte.   Haaa..., também trabalha 8 horas por dia e se pretende ótima profissional numa companhia complexa e grande. 

Ele já tem trabalho que chegue na labuta para que as pesquisas científicas que faz melhore o mundo. O mundo dos outros, claro! Que fique bem entendido! Na militância a favor do progresso científico, passa mais tempo  nos aviões de carreira que no seu amplo e lindo laboratório. Como encontrar tempo para coisas tão triviais como  cortar a grama, limpar a piscina ou comprar feijão com arroz? Já se ocupa suficientemente em irritar-se quando percebe algumas garrafas de vinho quebradas no porta-malas do carro, coincidentemente quando a esposa está dirigindo, ou quando se dá conta que o orçamento doméstico está subindo.

Parece difícil que estes dois mundos separados venham juntar-se um dia, raciocinou o filósofo. Diante da constatação de que o caso não tem jeito, e já pronto pra diagnosticar novamente que o que não tem solução, solucionado está, o filósofo espantou-se com o próprio assombro diante da injustiça da situação e não teve outro remédio senão recorrer a seu amigo, o também filósofo Lalá Zen, que mora numa chácara do Campeche, à qual chama carinhosamente de "Mansidão". Após momentos de meditação e análise, Lalá Zen foi enfático: "Ninguém merece!".

Diante da profundidade do pensamento de Lalá Zen, o filósofo mudou a estratégia do conformismo e concluiu que o que não tem solução precisa de medidas radicais e urgentes. "Todos já para a terapia!" A familiar para eles e, "pra você, minha amiga, também análise individual". Bote tudo de pernas pro ar, mesmo que o orçamento doméstico suba um pouco mais. Só tem um jeito de escapar do terrível destino de "dona de casa", que lhe está reservado: "vá à luta!"  

Neste momento o filósofo deu-se conta da seriedade do conselho que propunha à angustiada amiga, assim como da difícil possibilidade de comunicá-lo. Também ficou procurando formas de evitar que não fosse recebido  como uma intromissão na vida familiar, já suficientemente complicada. Achou que o mais prudente seria escrever uma crônica e publicá-la no Facebook. 



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