sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Em busca do Tango perdido - PUNTA DEL ESTE

 
 
Quando se adentra à pampa uruguaya, ainda não é possível perceber que o país inteiro é parte da Pampa sagrada, que vai da metade do Rio Grande do Sul até a escarpas geladas de Bariloche, formando um grande continente de planuras. Duzentos quilômetros depois, um tanto cansado de observar planícies nos dois lados da estrada, começa-se a desconfiar dessa verdade, e o vivente não raro comenta com seus pares, dentro do carro:
 
 
 
 
 
--- Mas, bah, tchê,
este país é apenas essa grande invernada?
 
 

 
 
 
 
 


Tal impressão é imediatamente desfeita quando nos aproximamos de Punta del Este.
Aqui a natureza foi pródiga em dunas e praias brancas sem fim, decorando um mar absolutamente tomado pelo verde. No horizonte à direita, percebe-se uma pequena cadeia de montanhas, à qual deram o sugestivo nome de Minas. É mais um contraponto à pampa dominante. Ali nascem as mais deliciosas águas minerais do cone sul.

Entrando pelas belíssimas estradas que circundam a orla marítima, o deslumbrado viajante depara-se, então, com a monumental obra construída pelos seres humanos, à exemplo daquilo que Caetano Veloso disse um dia sobre São Paulo, e que se aplica ainda mais adequadamente ao complexo urbano que temos pela frente: "a força da grana que constrói coisas belas".  Punta del Este é um brinde à criatividade e ao empreendimento humano.
 
 




A primeira colonização oficial da região de Maldonado deu-se em 1829, onde já estava  localizada a pequena vila de Ituzaigó, que em guarani significa "cascata de grande altura", provavelmente querendo designar alguma queda d'água existente nas montanhas próximas. Naqueles tempos, o mar era apenas um grande campo de pescarias e de batalhas, além de rota para transporte de mercadorias. A utilização turística da área só teve início em 1907, quando um empresário uruguaio teve a ideia de trazer famílias abastadas de Montevideo e Buenos Aires, à bordo do navio "Golondrina", a desfrutarem do verão naquelas praias e campos. A partir daí, Punta del Este, como passou a ser chamada a cidade, nunca mais parou de crescer.

Segundo o site "Wikipédia", a enciclopédia aberta da Internet, Punta está entre os dez mais luxuosos balneários do mundo. A proximidade aérea com os mais influentes mercados da América Latina, São Paulo e Buenos Aires, traz milhares de consumidores de alta capacidade financeira a jogar em seus cassinos ao longo do ano, independente da temporada de verão. Esta, ademais, recebe centenas de milhares de veranistas da alta classe econômica latino americana e internacional.

Punta del Este dispõe de abundante oferta hoteleira. Entre os quais se destaca o Hotel Conrad Resort & Cassino da cadeia internacional Hilton, localizado na praia Mansa. Entre os hotéis mais tradicionais sobressai o Hotel L'Auberge, na parada 19 da Brava, onde se servem os famosos wafels ao estilo belga. Há também vários hotéis de alto padrão que servem como Cassinos ou Spas. O hotel fazenda Vik fica a oito quilômetros da praia e foi fundado pelo multimilionário norueguês Alexander Vik. Na parte externa, cavalos e ovelhas estão presentes, juntamente com toda a sofisticação rústica uruguaia. O hotel, recheado de obras de arte e de bom gosto, está em um ponto mais alto da propriedade com vista para uma lagoa e o oceano. Na cidade, há numerosos restaurantes com diversas especialidades, desde a refinada culinária francesa até comidas rápidas, assim como a típica culinária uruguaia, a japonesa, árabe, etc.   No verão, o sofisticado mundo operístico e de shows de tango de Montevideo praticamente se transfere para o balneário, em busca dos dólares que aterrissam na área.



Ultimamente está se tornando sonho de consumo de endinheirados brasileiros. Eu particularmente soube de uma história deliciosa sobre o famoso cassino Conrad, que me foi contada por um piloto comercial. Disse ele que o proprietário de uma famosa rede de supermercados em Santa Catarina resolveu premiar sua filha com a "lua de mel" naquele sofisticado reduto. Encomendou para isso as acomodações do jatinho no aeroporto local e ordenou aos pilotos que estivessem atentos a todas as solicitações da moça quanto a possíveis visitas a Montevideo, Buenos Aires ou para onde ela bem quisesse voar, pagando para isso não apenas as estadias da aeronave como também a dos pilotos, o que não deve ter saído barato. Pois bem! Conta o indiscreto piloto que a tal moça nunca saiu sequer do quarto, quanto mais do hotel. Pudera!
 
 

 


 

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Em Busca do Tango perdido - Estaçao Ecológica do Taim

No extremo sul do Brasil existe uma reserva ecológica federal em meio às plantaçoes de arroz alagado, no início  da imensa Pampa, o territorio que vai da metade sul do Rio Grande do Sul até a Patagônia, ladeada pelo Océano Atlântico e pela Cordilheira dos Andes. A música que embala este imenso territorio é prioritariamente a Milonga e o Tango.

Náo se chega a este territorio sem uma boa dose de sacrificios, a começar pelo acesso a cidade de Pelotas, ponto de passagem obrigatório. O trecho de estrada que começa em Porto Alegre é uma pequena amostra do inferno! Logo de saída, o motorista contribuinte eleitor é gentilmente convidado a desembolsar 24 reais em pedágios, num percurso de nao mais que dez quilómetros, isso por que as operadoras usam o artifício de colocar uma estaçao cobradeira no início da estrada que vai a Uruguaiana e, assim que o infeliz cidadáo concretiza este pagamento inicial, ao dobrar à esquerda em direçao a Pelotas, dá de cara com outra estaçao, e lá se vai a segunda facada. Eu diría que além de assombroso, é desonesto da parte das empresas, tanto quanto do poder público concessor. Um Estado administrado por um Partido que se auto denomina "dos Trabalhadores", nao deveria permitir embustes assim contra seus contribuintes, tôcerto-ou-tôerrado???  Em seguida começam os engarrafamentos por conta das obras de duplicaçao da estrada, entao o preço do pedágio "cai" para 9,00 reais. Regularmente a cada 50 ou 60 km, enquanto você fica horas parado na pista, esperando que a empreiteira libere a estrada por alguns minutos. Náo tenho certeza, mas, pelo que vi das placas, os custos da duplicaçáo correm por conta do governo federal. Para quê os 9,00 reais de pedàgio, somente as esferas competentes da gestáo pública pode explicar, e deve estar explicando bem, considerando que os bem esclarecidos eleitores do Rio Grande do Sul têm reeleito os mesmos gestores já faz um tempáo. Ou náo seriam táo esclarecidos assim !
Finalmente, chega-se a Pelotas, uma linda e decadente cidade. Ali, percebe-se o quanto aquela urbe foi bonita e glamourosa no passado, com seu centro histórico de uma beleza clássica e austera, misturando o charme português com a seriedade anglo-saxônica. Por outro lado, a periferia da cidade é um desastre, tanto ecológico quanto arquitetônico, mas, principalmente social, com os milhares de barracos onde parece impossível que ali habitem gentes humanas, mas, elas estao ali à mostra, para que tenhas certeza de que nao estás alucinado.  Onde foram parar os varóes nobres e endinheirados estancieiros que fizeram a Revoluçáo Farroupilha? Aquí é que náo estáo mais. Foram substituídos por industriais de doces de pêssego e outros que tais, que se encontram à venda por toda parte.
Saindo de Pelotas, a estrada melhora substancialmente até a entrada de Rio Grande e seu porto, para onde se viram os caminhóes imensos que te acompanham no trajeto duplicado, deixando o resto da estrada simples até o Chuí, em pista única, absolutamente à tua vontade, bem como à vontade das aves que por ali gorjeiam. E como gorjeiam!  Sáo mais de 250 espécies de aves, alèm de 30 espécies de mamíferos, todos muito bem alimentados pelo ecosistema do banhado, supostamente protegido das poluiçóes emanadas das plantaçóes de arroz do entorno.



Taim é uma espécie de paraíso das águas doces no extremo sul brasileiro


Última cidade antes da fronteira no extremo sul


Lala Zen enfrenta a noite do inverno pelotense






Quando se cruza o trecho da Reserva do Taim, a sensaçáo de solidáo é absoluta! Dos dois lados da estrada a Pampa se desenha em azul e verde, até o limite onde o horizonte se encontra com o céu. Ou com a placa de "Bienvenido a Uruguay". Pronto, aquí começa nossa aventura.

Manadas de gado bravio vivem na fartura da Pampa
Fim do trecho brasileiro

Outras fotos deste trecho estão no álbum
https://plus.google.com/u/0/photos/107372085103108652320/albums/5917661695521936417?hl=pt-BR




sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Super o quê?




- Super, o que?   Pergunta assustado o recepcionista do hotel tres estrelas em Matinhos, a praia mais popular e mais frequentada do litoral paranaense. Então, eu explico de novo que procuro informações sobre onde pegar um barco que me leve para a Ilha do Superagui, que fica na entrada da Baía de Paranaguá, um pouco mais ao norte da Ilha do Mel, essa sim, muito mais famosa e procurada por descolados em geral, alguns jovens endinheirados cujas famílias veraneiam na praia de Caiobá, já outros tão malucos (e duros) que se hospedam na areia da praia ou acampam nos quintais, todos ansiosos pelos momentos de curtição nas festas regadas a variados estimulantes, assim como nas dezenas de bares e restaurantes de todos os tipos que existem por lá. Como eu havia feito no verão de 1974, numa incrível primeira viagem acompanhado de uma pessoa de sexo feminino, com a qual iria me casar em seguida e ter dois filhos. 




Já a nossa Ilha do Superagui, ao contrário, parou no tempo e no espaço e alguns chegam a prever sua completa desolação e abandono, graças ao isolamento imposto pelo IBAMA, que não permite qualquer obra ou melhoria na área do parque de preservação ambiental no interior do qual se localiza a ilha. Por esta razão ela não possui ruas, carros, supermercados ou qualquer conforto e benfeitoria. Se cai uma ponte numa trilha, vai ficar assim mesmo, pois a administração do parque não a conserta nem deixa que seja reparada por qualquer interessado. A simples reforma de uma cozinha necessita autorização especial e sofre acompanhamento rigoroso. Há poucos meses foi demolida a casa de um político influente na região, pois a teria ampliado sem autorização. Justamente por essas razões é que estávamos programando o feriadão de vinte e um de abril de 2008 nesse paraíso exótico.

Desse modo, a Ilha do Mel não era a nossa opção naquele momento, e como o rapaz do hotel nunca ouvira falar do nosso procurado destino turístico, decidimos ir diretamente a Pontal do Sul, de onde no verão do ano passado eu li que saiam barcos de linha para vários pontos do litoral parnaguara, o que talvez incluísse Superagui.

Não, nossa ilha não estava incluída nos destinos acessáveis a partir de Pontal do Sul. Na verdade, teríamos que tomar uma embarcação para a Ilha do Mel e de lá alugar um barco particular que nos levasse, certamente por muita grana, à Ilha do Superagui. Imediatamente desistimos dessa alternativa. Mas, procura daqui, procura dali, através do catálogo telefônico localizamos uma cooperativa de transporte marítimo na baía de Paranaguá.

- Sim, amanhã de manhã sai um barco para Superagui.

Ufa, que alívio! Não nos importava naquele momento o fato de que a pessoa que atendeu ao telefone calculasse para entre 8 e 10 da manhã de sábado a hora da saída do barco, sem especificar com certeza o horário de partida. O fato é que em Paranaguá conseguiríamos embarcar e pra lá nos dirigimos. Paranaguá foi a primeira urbe paranaense, fundada pelos colonizadores portugueses ainda no século XVI, e não recebeu qualquer outra leva de imigrantes, ficando apenas com seus velhos portugueses, negros escravos e índios. Por isso ela se diferencia totalmente das demais cidades paranaenses, tão cheias de alemães, polacos, italianos, japoneses... Paranaguá, em contraposição, não tem nada disso!   Sua, digamos, pureza, inclui a completa rejeição dos valores e costumes vigentes na capital, embora ambas cidades estejam tão próximas. Além da violenta rejeição cultural, Paranaguá é uma cidade que mantém com seu porto (o maior do país em volume de exportação) uma relação de amor e ódio, seja pelo que ele representa em termos de riqueza, fama e oportunidades de negócios, seja pelo lixo urbano e social a que estão sujeitas todas as grandes cidades portuárias, com a possível exceção de Itajaí. 

De Paranaguá saíram os grandes artistas que animavam no passado os bailes e festas populares  curitibanas, como foram os impagáveis parnaguaras autores de "As Mocinhas da Cidade (“são bonitas e dançam bem...”)",  os saudosos Belarmino e Nhá Gabriela, ainda hoje muito tocados e festejados, tanto que são homenageados com um belo monumento bem no centro da capital paranaense.  O fato é que, se existe uma cultura popular tipicamente paranaense, seja musical ou gastronômica, sua origem está em Paranaguá, com sua baía e seu belo mar repleto de ilhas paradisíacas.




Sábado, sete horas da manhã, estávamos na Rua da Praia, defronte ao embarcadouro de onde saiu uma hora e meia mais tarde o barco com 28 passageiros para a Ilha do Superagui, onde aportamos por volta de meio dia. Junto conosco chegou também o nosso velho conhecido de Floripa, que nos acompanharia pelos tres dias na ilha: o vagabundo Vento Sul.

Certamente uma das últimas áreas significativas remanescentes da original Mata Atlântica está na fronteira litorânea dos estados do PR e SP. Partindo-se da baía de Paranaguá em direção ao norte, uma extensa faixa de aproximadamente 120 kms de comprimento por uns 30 kms de largura, permanece praticamente selvagem, com a presença de aldeias de índios, animais em extinção tais como onças, jaguatiricas, papagaios da cara roxa, macacos de vários tipos e, principalmente, a mata exuberante dos tempos coloniais.  Ao longo deste litoral, que vai até a cidade paulista de Iguape, a costa é demarcada por extensas ilhas separadas entre si e do continente por vários canais margeados por restingas e montanhas. 

Do norte para o sul, Ilha Comprida, do Cardoso e do Superagui formam este arquipélago protetor da fauna marinha ao longo da costa, uma vez que os canais são abrigos naturais para procriação e preservação das espécies. Na Ilha do Superagui existe apenas um pequeno povoado localizado na barra de entrada do canal que a separa da Ilha das Peças. Alguns quilômetros ao norte, quando o canal volta a juntar-se com as águas da baía, está localizada a cidade de Guaraqueçaba, também perdida no tempo e no espaço, cujo acesso por terra demanda 95 kms de estrada de chão em meio a mata e montanhas da Serra do Mar. Uma aventura para poucos corajosos!  Entretanto, esta mesma Guaraqueçaba está apenas a meia hora da vila do Superagui, se formos de lancha do tipo “voadeira”.  É dessa forma que as futuras mamães da ilha vão à maternidade, desde que faleceu por aqui a última parteira. 

No lado oposto ao canal encontra-se o oceano aberto na Praia Deserta, com seus 37 kms de areias brancas absolutamente vazias, como indica o nome. Caminha-se por horas, até cruzar com um ou outro pescador artesanal ou turista, uns a cavalo, outros de bicicleta alugada na vila. Barzinho para uma gelada ou caipirinha, nem pensar. A gente se dá por satisfeito em ter levado uma garrafa de água. Em uma de nossas caminhadas, cruzamos com um nativo pedalando sua bicicleta, de onde sobressaía o detalhe de um imenso facão preso à garupa. Depois dos "bons-dias", perguntamos se o exuberante utensílio se destinava à sua defesa pessoal, ao que ele respondeu que não, pois usava o facão apenas para cortar uma picada no mato ou destrinchar algum peixe, já que sua proteção ele confiava ao Altíssimo, o que nos mostrou mais uma faceta do povo ilhéu, a sua enorme religiosidade, talvez herança das várias missões católicas e protestantes que já passaram pela aldeia.

Se o persistente viajante seguir sempre ao norte, ao longo da praia sem fim, avistará revoadas de assustados pássaros de várias espécies, que migram permanentemente entre as ilhas e o continente. No extremo norte da ilha, vai encontrar poucas choupanas de pesca e uma pequena venda na beira do canal que dá acesso à Ilha do Cardoso, já então em terras paulistas. Mas, mesmo de bicicleta é bom precaver-se, pois ao aventureiro inadvertido a natureza costuma pregar certas ciladas, como a de ficar isolado pelo enchimento de algum riozinho, que se transforma de repente num riozão, com a maré alta. Nesse caso a solução é esperar a maré baixar. Ou tentar cruzar a nado, com todos os riscos da empreitada. 

Pousadas há tres ou quatro, todas na pequena vila, muito rústicas. Restaurantes, só por encomenda nas próprias pousadas. Em compensação, as iguarias que se ofertam nas cozinhas caiçaras dificilmente serão encontradas em griffes granfinas de São Paulo.  O segredo é bastante conhecido: tudo muito fresco e bem temperado. Variadas ervas aromáticas, alho, cebola e, principalmente, peixes, camarões, lulas, mariscos e ostras absolutamente frescas, pescadas ou colhidas poucas horas antes.  Dos turistas que desembarcam na ilha, seguramente a maioria o fazem com o propósito de pescar, atividade que exercitam com enorme prazer, sempre em grupos que partem alegremente da praia defronte ao canal, embarcados em alguma lancha ou canoa, com a qual vasculham as águas próximas, seja pelos próprios canais ou nas ilhas em mar alto, de onde voltam quase sempre ao por do sol, trazendo os frutos de suas aventuras, que são deliciosamente compartidos com os demais visitantes, mesmo os absolutamente incapazes de lidar com anzóis e varas, conforme exemplo deste que vos fala, principalmente com "varas". 

Para isso, as pousadas são guarnecidas com fogões e churrasqueiras, onde se come bem e se bebe melhor ainda. De fato, é difícil resistir ao convite para regalar-se à beira de uma grelha repleta de ostras recém recolhidas pela turma que voltou à pouco de uma pescaria. As ostras aos poucos vão se abrindo, conforme aquecidas pelo braseiro,  os convivas as vão retirando da grelha e sorvendo-as em estado puro mesmo. Eu, no meu caso, segui o conselho que manda acompanhá-las sempre com uma cachacinha curtida numa erva nativa chamada Cataia, que só existe nas restingas locais. Garanto que sobrevivi, até prova em contrário ... 

Depois do feriadão de vento sul, com o inevitável frio e chuva fininha penetrando ossos, portas e janelas, a terça feira amanheceu exuberante, com o sol da manhã avermelhando o horizonte. Mesmo assim, embarcamos satisfeitos na lancha de mestre Juca Barreiro, de volta ao trapiche da Rua da Praia. em Paranaguá.  O clima frio e chuvoso de fato nos negou o calor do sol, banhos de mar e biquinis à mostra, entretanto, esse mesmo clima nos proporcionou um profundo contato com a ilha,  seus habitantes e muitas novas amizades, atributos mais interessantes do que barulhentos turistas convencionais talvez pudessem nos proporcionar.  




Sim, voltaremos um dia, Superagui, pra ficar mais tempo !    
       
  





Vencendo vem Alá





O hino "Vencendo vem Jesus" é uma marcha militar, aqui completamente desvirtuada em nome de um suposto avivamento religioso moderno.  Foi feito durante a guerra civil norte americana, assim como tantos outros hinos evangélicos dos batistas. Celebra uma suposta "Volta de Jesus Cristo ao mundo físico", no final dos tempos. Naqueles anos de guerra e destruição, essa esperança era o que mantinha muitos crentes em atividade religiosa, apesar ou justamente por causa da barbárie que os rodeava. Esta crônica utiliza esta ilustração para falar do contrário. Vamos considerar aqui que o cristianismo está perdendo a batalha para Alá. Se você é um cristão fanático e não admite sequer imaginar algo assim, é conveniente parar a leitura por aqui. 

Estima-se que existam 50 milhões de árabes vivendo na Europa, onde crescem a uma taxa de 3% ao ano. Somando com os imigrantes que continuam a chegar, teremos três vezes mais muçulmanos em 30 anos.  Os islâmicos, árabes ou não, vão direto ao nirvana, desde que tenham permanecidos fiéis, enquanto os cristãos ainda vão depender de um certo julgamento. Muamar Kadafi, o inconveniente líder espiritual e político muçulmano que os EUA e Europa liquidaram,  dizia que não há necessidade de qualquer guerra santa, bastava esperar o tempo e a Europa será islâmica.

Aliás, a realidade norte americana em relação aos latinos é a mesma. Em três gerações a América falará espanhol regularmente, como hoje fala o inglês. E depois dos hispânicos, são os islâmicos o grupo que mais cresce. Já são dez milhões de americanos muçulmanos, tres por cento da população, e estima-se que sejam 50 milhões em 2040. Enquanto isso,  as mulheres americanas, canadenses e europeias estão se programando para terem cada vez menos filhos. Sim, a América e a Europa serão nações latinas e muçulmanas. Quem viver, verá.


Nem a mídia, nem os governos, nem as religiões ocidentais discutem o assunto, mas, o fato é que a cultura ocidental está em crise de credibilidade.   O comportamento moral de padres e pastores, além das posições retrógradas assumidas pela alta cúpula religiosa desestimulam a participação popular. A campanha presidencial no Brasil em 2010 mostrou as igrejas fundamentalistas cristãs como baluartes do retrocesso, vendendo suas posições políticas para a direita escancarada, raivosa e preconceituosa. Tirando a Igreja Universal e poucas outras de natureza pentecostal, todas perderão prestígio.  Enquanto isso, o mundo muçulmano ferve em devoção à Alá.    

Bem fazem os brasileiros, acostumados a lidar com os mascates libaneses e sírios. Para nós não haverá problemas. Nós já os incorporamos em nossa cultura.



Teatros




O Teatro Colón de Buenos Aires rivaliza com o Scala de Milão e a Ópera de Viena, disputando o título de melhor acústica do mundo, segundo os entendidos no assunto. Não é o caso deste que vos fala, eu que sequer conheço os dois europeus, mas, mesmo não entendendo nada de acústica, sou capaz de apreciar a beleza e não creio que seja possível algo mais belo e encantador do que o prédio da avenida Nove de Julio, com sua estampa em mármore rosado português tomando todo o quarteirão.

Eu estava na Argentina em novembro de 2006 e assisti pela TV o último concerto antes do Colón ser fechado para reformas. Foram duas horas de musica popular argentina, onde Mercedes Sosa trazia ao palco as figuras mais representativas daquele país, para acompanhá-la em uma de suas últimas apresentações, antes de cair definitivamente doente e morrer. O único inconveniente daquela festa foi a presença de uma orquestra sinfônica imensa, todos de fraque preto e camisas brancas, algo perfeitamente dispensável em se tratando de música folclórica. Imaginem uma canção como "Zamba de mi Esperanza", utilizada intensamente para combater a ditadura de 1976, normalmente acompanhada apenas de um simples violão, agora tocada por uma centena de violinos. Devia ser justamente para sufocar o poema e fazer esquecer as origens da canção.  

As nossas artes mesmo estão largadas ao léu, na sarjeta dos malditos, enquanto os órgãos encarregados da cultura estão subalternos aos assuntos esportivos das instâncias de governo. A orquestra sinfônica estadual foi despejada do centro cultural que lhe servia de sede. Acabou falindo e, não fosse a solidariedade da igreja católica, até o seu Coro Lírico teria falido junto.  Os grupos teatrais vivem de rifa e os corais são patrocinados pelos próprios cantores. Sucesso garantido mesmo, só na noite ilhoa, onde os bares que costumavam apresentar blue-jazz passaram a tocar sertanejo-universitário. 


Museus



- Quem gosta de museu é velharia ...!  Quem já não ouviu esta frase pelo menos uma vez na vida? Pois se preparem por que ela não vai mais fazer sentido. Os museus estão se transformando tão rapidamente, que daqui a alguns anos não restará nada desses antigos lugares abafados e escuros, cheirando a naftalina, que sempre foi o terror dos turistas e jovens estudantes. Evidentemente que, pra confirmar a regra,  sempre haverá aqueles que adoram o programa, os chamados ratos de museus ou de bibliotecas. A maioria, ao contrário, só costumava visitar museus para registrar suas presenças através de fotos e de lembrancinhas, para na volta poder mostrar aos amigos e comprovar como  são verdadeiramente muito cultos. Quantos que visitam o Museu do Louvre, em Paris, estão realmente interessados nas milhares de peças ali expostas? Garanto que uma boa parte deles querem mesmo é tirar uma foto (proibida) da Gioconda e mandar para seus amigos do facebook...



Mesmo os museus tradicionais, como o citado Louvre de Paris,  ou o Prado de Madrid (já visitei ambos, crianças!), estão se especializando e criando facilidades tecnológicas para atrair públicos de maior diversidade, além de manter sempre alguma exposição temporária em torno de um assunto ou artista, o que os tornam mais atrativos e informa melhor ao visitante. Além disso, essas exposições têm a vantagem de reunir obras emprestadas de outros museus. Foi assim que, há alguns anos,  o Museu Van Gogh, na Holanda, pode reunir um grande acervo do meu grande amigo Vincent, com obras vindas da França, Estados Unidos e Inglaterra, viabilizando a contemplação das obras primas do artista numa única exposição, o que de outra forma seria impossível, principalmente nos períodos de guerra,  quando os museus costumam competir ferozmente entre si, tal qual suas correspondentes pátrias amadas. Com o passar do tempo e a chegada da mais recente modernidade, baseada no velho conceito de aldeia global, foi-se criando uma nova especialidade acadêmica na arquitetura. Se o prezado leitor for pesquisar na Internet, vai ficar impressionado com a quantidade de dissertações e teses sobre o assunto Museologia. 



Algum tempo atrás pude visitar em São Paulo os museus do Futebol e da Língua Portuguesa. Foi uma experiência magnífica! Não é em qualquer lugar que você pode assistir famílias inteiras maravilhadas com as informações culturais que estão recebendo, onde uma multidão de pais se empenham no papel de guiarem seus filhos pelos caminhos do conhecimento, “veja aqui, meu menino, isto você ainda não conhecia”, e a garotada em estado de graça,  encantada diante do novo que se lhes é apresentado, “olha, papai, uma sala tridimensional, tá ligado?”.  Você mesmo não vê o tempo passar e, quando dá por si, transcorreram-se duas ou mais horas da visita que se antevia chata e morosa. Onde mais seria possível um cenário assim, senão no Museu do Futebol?  Ao que consta, é o primeiro museu dedicado exclusivamente ao futebol brasileiro como um todo, registrando-o em milhares de imagens e várias horas de vídeo, além de centenas de objetos que traduzem sua história e emoção.

A localização não poderia ser melhor, debaixo das arquibancadas junto ao portão principal do Estádio do Pacaembu, ele próprio uma verdadeira obra de arte, a começar pela Praça Charles Müller, de onde se tem uma vista privilegiada da cidade de São Paulo. De quando em quando, há uma janela ou sacada saindo para a arquibancada, de onde se pode admirar o estádio por dentro. Ali, observando a garotada correndo no gramado verdinho lá embaixo, você pode se recuperar da emoção de ter visto em três dimensões o lançamento perfeito de 40 jardas, onde o canhotinha de ouro Gerson colocou o rei Pelé na cara do gol italiano em 1970. O museu é simplesmente perfeito!  Na seção de informações sobre os clubes de futebol profissional, que não é interativa,  pude rememorar a escalação do Grêmio Maringá, tri-campeão paranaense de 1963-64-65, época em que este garoto que vos fala teve a chance de ver Pelé jogar pela primeira vez.



O público do Museu da Língua Portuguesa é completamente distinto do Museu do Futebol, embora a emoção da garotada não seja muito diferente. São também centenas de adolescentes, agora reunidos em grandes grupos, todos maravilhados diante das imagens e jogos interativos que contam a história e falam das belezas do nosso linguajar. Inicialmente a curiosidade me levou a perguntar ao orientador da visita por que razão os pais da meninada não estão aqui presentes. Sua resposta não me convenceu, pois ele disse que os ditos cujos pais não teriam a necessária paciência, preparo e muito menos o interesse. Será mesmo?  Mas eles pareciam tão interessados e cultos no museu do futebol ...   Achei melhor deixar esta questão sem resposta e prestar atenção nas professoras e nas explicações que davam aos seus pupilos, enquanto raciocinava comigo mesmo “que maravilha", eu ali já sessentão, no meio da garotada,  assistindo um filme projetado nas quatro paredes e no teto de uma sala espetacular, onde diferentes imagens se entrecruzam ao som de lindas melodias e de citações deveras interessantes de nossos maiores talentos escritores.  Meia hora de puro deleite, pra não dizer palavra mais forte. Depois, quando baixaram os créditos, percebi que a qualidade da obra era compatível com o talento dos que a produziram. Gente da melhor estirpe e não somente de São Paulo ou de um mesmo gênero literário, mas, uma combinação de tudo o que há de bom no país, misturado e peneirado pela competente equipe diretora do filme. As tecnologias computacionais não poderiam ter melhor aplicação do que num museu como este. E como eles abusaram do uso intensivo de tecnologia!

A literatura, assim como qualquer outra modalidade de cultura, é um bem completamente imaterial. Mesmo os livros impressos só têm valor pelo que representam em termos de conteúdo imaterial, que são as idéias e o talento do autor. Fazer a representação disso tudo em forma de museu não é pra qualquer um...  Este realmente é um bem público que deixa qualquer cidadão orgulhoso da cultura do seu país, e sendo eu brasileiro, é pra sentir emoção em dobro, como a que senti ao visitar este museu da língua portuguesa. A temática principal será sempre variável e temporária, tratando  em profundidade um assunto ou autor. A mostra da ocasião enfocava a vida e a obra de Machado de Assis, ocupando todo o segundo piso do museu. É uma chance de ouro para conhecer ou ter uma rápida noção da literatura machadiana. Só a reconstrução virtual da cidade do Rio de Janeiro e os costumes vigentes em 1880, por si só já valem a visita. Eu concordo inteiramente com a idéia geral enunciada pelo museu, a de que as línguas pertencem aos povos que as falam e não às suas pátrias de origem. Assim sendo, Portugal deixou de ser o proprietário da língua portuguesa, até por que são minoria absoluta no seu falar.  De minha parte, se fosse uma pessoa poderosa, já teria declarado a independência da língua brasileira.  Que tal, Presidenta ...???









Apenas mais uma canção hippie






Em 1965 um poeta hippie estava preso na cidade de New Orleans, por consumir maconha na via pública. Era branco. Ali na prisão, conheceu um homem negro que dançava como um bailarino. Diz ele que o homem era um ser iluminado, que não se importava de estar preso, ao contrário, fazia de sua cela um palco para dançar e brilhar. Este homem se auto intitulava "Senhor Bojangles", em homenagem a um artista do passado, igualmente negro, que havia trabalhado em circos e teatros da região sul, até que finalmente obteve alguns papéis no cinema norte americano, lá pela década de 1930, fazendo algum sucesso. O hippie se chamava Jerry Jeff Walker e se inspirou no "Senhor Bojangles" para escrever esta canção, que foi um imenso sucesso mundial, menos no Brasil da ditadura, evidentemente.

Nos anos sessenta, os Estados Unidos ainda viviam sua fase extremamente racista e um negro poderia ser preso por qualquer motivo, até por sorrir e dançar na rua, mesmo numa cidade negra. 

New Orleans se parece com Salvador, a maior cidade negra fora da África. Em Salvador, assim como em New Orleans, 90% da população é negra, mas o poder sempre esteve nas mãos de brancos.  Pode ser que o velho e negro Bojangles tenha sido um caso de racismo. Brancos carrancudos e cristãos não gostam de alegria. Ainda assim, a importância da cultura negra para a grande nação norte americana nunca será devidamente recompensada pelas atuais políticas de proteção social. Parece que algum ódio sempre restará nas mentes de ambos os lados, tanto dos negros quanto dos brancos. Não se pode dizer que os negros não são Americanos, como eles costumam fazer com outras etnias importadas, dos quais os latino americanos são o mais triste exemplo. Negros vieram para os Estados Unidos contra a vontade, embarcados em navios de escravos. Foram o sustentáculo da produção agrícola nas férteis terras do sul. Em nome deles se fez uma guerra fratricida que durou 5 anos, entre os estados atrasados e rurais do sul e o governo da União, que havia planejado construir um estado nacional industrial, e porisso mesmo,  não queria a economia baseada na mão de obra escrava. Ao contrário, precisava gerar mercado interno para consumir os produtos que seriam industrializados. Hoje, quarenta milhões de negros formam um fantástico mercado interno. Inclusive para canções negras, como esta Mister Bojangles.








Eu conheci um homem chamado Bojangles, 
ele dançava com velhos sapatos,
cabelo prateado, uma camiseta rasgada,
folgadas calças,
velho sapato macio,
ele saltava muito alto,
depois tocava suavemente o chão.


Eu o conheci na prisão em New Orleans.
Eu estava triste e deprimido.

Ele me olhou com seus olhos de velho, 
enquanto falava direto,  sem rodeios.
Ele falou da vida,
vez em quando ria e fazia uma dança.
Mister Bojangles, dance! 


Ele disse seu nome, "Mister Bojangles", 
e dançava velozmente pela cela,
saltando e batendo os calcanhares.
Ajeitava as calças e pulava mais alto.
Apertava o cinto para maior conforto
e ria como uma criança,
suas roupas folgadas sacudiam no ar.

Ele conta que dançou para andarilhos
e que se apresentava em feiras rurais

por todo o sul dos Estados Unidos. 
Ele falou com lágrimas de adolescente 
como ele e seu cão viajaram por essas estradas.  

Ele viu o cão crescer e morrer 
e mesmo depois de 20 anos,
ainda sente saudades dele.
Mister Bojangles, dance!

Ele disse, “Sempre que posso eu danço em bailes,  
em troca de bebida e gorjetas, 
mas a maior parte do tempo eu gasto

nessas vendinhas de estrada, 
por que eu gosto de beber um pouquinho.” 
E balançou a cabeça, conformado,
e, enquanto balançava a cabeça,
ouvi alguém lhe pedir “Por favor,

Mister Bojangles, dance"
Mister Bojangles, dance! dance!

Homens de negócio





--- “Presidente, correm boatos de que eu serei seu ministro e a imprensa está perguntando se é verdade. O que eu respondo, doutor?"
---  "Diga que você ficou muito honrado com o convite, mas que não vai poder aceitar o cargo, em função de seus compromissos pessoais."

Bons tempos aqueles em que a esperteza dos políticos rendiam boas piadas ingênuas e inofensivas, como essa do Tancredo Neves respondendo a pressão de um empresário de Minas Gerais.  Claro que roubalheiras sempre houve e sempre haverá, como relata a não menos lúdica resposta atribuída a Delfin Neto: “Ministro, está aí aquela comissão dos empresários do comércio”.  “Manda depositar na Suiça”, teria respondido sua excelência, que, encrencado com o general Geisel, foi mandado para a França, de onde voltou com o rótulo de “Embaixador  dez por cento”, atribuído pelos seus próprios colegas diplomatas.




Acontece que ao longo do tempo os negócios envolvendo a rés-pública foram se degenerando, até se transformar na casa dos horrores que hoje temos diante de nós. A corrupção mais descarada e vergonhosa impera em todos os setores, como podemos constatar até na obtenção de uma simples linha de internet banda larga, um negócio de cem reais ou até menos, como fui obrigado a ouvir de um ténico da OI, ao fazer-lhe o pedido para facilitar a instalação na minha casa: "Estamos cobrando 500 por fora". Imaginem, então, quando envolve bilhões de dólares.  Para constatarmos a profundidade do mal que nos assola,  basta reproduzir o que a própria polícia federal e os tribunais de contas colocam de público como resultado de suas investigações, envolvendo os tres poderes e toda a estrutura social, de cabo a rabo e de alto a baixo. Ainda assim, os comprovadamente corruptos apelam para o poder político e acaba o delegado competente  sendo mandado para a fronteira da Bolivia ou para o Amapá, ou até mesmo para onde vai cair o raio que nos parta em pedaços indignados de vergonha e medo.   

“ Presidente, o PC Farias tá liberando grana demais ”, reclamava a ministra Zélia, segundo informam as colunas de bastidores do poder na época, quando o governo Collor confiscou as contas bancárias e passou a liberar os recursos caso a caso. “Vai despachando, vai despachando”, respondia o presidente que, na verdade, chefiava uma quadrilha recém instalada no poder, com o apoio explícito da burguesia brasileira, que sempre apoiou o governo, qualquer governo, até para não deixá-lo realizar mudanças que comprometessem seus eternos privilégios... Escândalos e negociatas nunca faltaram, como o da compra da reeleição pelo FHC, cujo caixa de campanha era o ministro Serjão Motta, que dizia para quem quisesse ouvir: “Deputado do baixo clero eu compro por duzentos mil, não importa se o sujeito é de Rondônia ou do Rio de Janeiro.”    Para os quadros éticos do PSDB, que reclamavam postura pelo menos um pouco mais austera,  Serjão respondia insolente: “Não estou aqui para fazer masturbação mental”. Era sua forma indelicada de dizer que os fins justificam os meios.  No mesmo estilo grosseria, José Dirceu diria mais tarde “Comprei o Jornal Nacional por um preço que considero muito menor do que eu pensava ter que pagar!”



Bem sabemos que o ser humano pode errar, principalmente quando tem poder de decisão. No entanto, o primeiro e fundamental passo para mudar o rumo é a humildade de aceitar e assumir que está equivocado. Coisa que esses senhores que mandam no mundo público jamais fizeram. Tom Zé, que não tem poder nenhum a não ser a credibilidade de sua história pessoal, caiu no conto dos vigarios$$$ e fez um comercial enaltecendo a Copa do Mundo no Brasil. Foi patrocinado pela Coca Cola, a sócia da FIFA e do governo brasileiro. Seu público chiou e ele reconheceu que isso não combina com ele. Pediu desculpas e devolveu o dinheiro. 




De todas as reestruturações e reengenharias que acompanhei na vida pública, nenhuma foi mais boçal e decepcionante que a ocupação que o PT fez do governo e da vida política brasileira.  Eu confesso que não tenho qualquer prazer em escrever essas coisas. Pior ainda, sinto-me um bobalhão quando recebo críticas pelo que escrevo, como se fosse eu o culpado pelas revelações contidas nas cartas do tarô das evidências escancaradas. Quem manda colocar o dedo na ferida? Melhor alienar-me à vidinha do Rio Tavares, construir minha Chácara Mansidão e nela viver minha vida mansa,  esbaldar-me em “festa, trabalho e pão”, conforme o ideal do Gonzaguinha, Caetano, Gil, Vinícius, Arrigo, Itamar Assunção, Nei Lisboa e toda a turma boa que faz música e questiona, sem perder a fervura jamais ...  Meditarei com eles nos amanheceres, curtirei delícias existenciais e não chorarei mais qualquer lágrima sobre whisky derramado.  

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Coro Lírico em Concerto

Dia 31 de julho de 2013 se apresentaram no Teatro Álvaro de Carvalho, centro histórico de Florianópolis, o Coro Lírico Catarinense e Orquestra de Câmara de Florianópolis. A audição teve início com uma peça litúrgica da Igreja Ortodoxa russa, regida pela maestrina Flávia Sebold, e foi cantada à capella.  Tiebié Poem, serviu como homenagem póstuma ao baixo Esis Rocha, recentemente falecido.
http://www.youtube.com/watch?v=M8dvUxjBBHE

Em seguida vieram mais algumas canções, todas acompanhadas pela orquestra do maestro Carlos Alberto. Destas, selecionamos quatro para mostrar aqui.

Va Pensiero, da ópera Nabuco, de Giuseppe Verdi.
http://www.youtube.com/watch?v=ymIf3gscGPc

Pomp and Circunstance, marcha militar britânica composta por Sir Edward Elgar.
http://www.youtube.com/watch?v=vpP5IuBduRw

Ode à Alegria, da 9ª Sinfonia de Bethoven.
http://www.youtube.com/watch?v=q805SCsVzP4

Magnificat!, um dos mais antigos hinos da Igreja Católica.
http://www.youtube.com/watch?v=PbsxTbTtRFw

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Corais nas Termas do Gravatal


Há um grupo de estâncias termais situadas próximo do litoral Sul de Santa Catarina. A começar pela capital, Florianópolis, que conta com pelo menos duas estâncias hidro minerais de alta qualidade, Caldas da Imperatriz e Águas Mornas. A primeira delas já era utilizada nos tempos da colônia, ou seja, quando a corte portuguesa mudou-se para o Rio de Janeiro, fugindo da aproximação das tropas de Napoleão na Europa. Consta que no ano de 1808 já existia ali uma infra estrutura básica para banhos termais, que eram usufruídos pelos cidadãos do império, que naturalmente a julgavam suas, de bem e de direito. Não era o que achavam os índios selvagens que habitavam as matas da Serra do Tabuleiro, tanto que numa bela noite daquele ano,   atacaram a cidadela e mataram vários soldados, manchando com sangue a história das águas medicinais em nossa região. 


Coral Energia em Canto, da Eletrosul, e seu regente Robson Medeiros Vicente

Mais ao sul, ao lado do município de Tubarão, existem mais tres estações termais, sendo a maior delas a da cidade de Gravatal. Há ali vários bons hotéis e condomínios de alto padrão, além  dos loteamentos ocupados por pessoas simples e pobres. Afinal, alguém teria que executar os trabalhos mais humildes e necessários para o usufruto pleno dessas ricas fontes de águas termais. 

Um dos símbolos do trabalho de assistência psicológica e espiritual para a população católica local, tanto aos banhistas como aos trabalhadores, é executado pelo pároco da Igreja de Termas do Gravatal, onde se realizou em 3 de agosto de 2013 o 28º Encontro de Corais. O festival começou por volta das 15 horas de um sábado surpreendentemente quente, depois de temperaturas próximas de zero grau, que caracterizaram o inverno catarinense neste ano. Terminaria com uma missa seguida de jantar festivo, que se encerrou debaixo de um grande temporal que duraria toda a madrugada de domingo. 

Nem o calor do dia ou a chuva da noite assustou os mais de setecentos cantores, músicos, regentes e outros artistas envolvidos com as apresentações. Ao final da missa, foi entreouvida entre os religiosos presentes a constatação de que nunca houvera ali uma missa tao bem cantada. Pudera!

A música sempre esteve associada com a religiosidade, desde os tempos atávicos das cavernas, quando os nossos ancestrais usavam batuques com paus e pedras, afim de chamar a atenção dos deuses e animar seus rituais. Posteriormente, civilizações talvez mais adiantadas que as atuais usavam sons especiais para se reconectarem com suas origens cósmicas. Os budistas antigos do oriente chegaram na sonoridade que expressava de forma completa a presença cósmica em suas vidas e criaram o OM, o som universal. Continua sendo muito usado ainda hoje em dia. 

Numa aula de Yoga qualquer, sempre há algum espaço dedicado às atividades de Meditação e, nestas ocasiões,  é possível observar os praticantes com os dedos indicador e polegar ligados, praticando uma tal respiração onde o ar é expelido  de modo a produzir o som "ômmmmmmnnnn" até o esvaziar completo dos pulmões. Nesse espaço de tempo, toda a atenção está focada na respiração e no som emitido. Não se deve deixar a mente vagar por outras recordações, assuntos ou interesse. Essa é uma das formas de meditar, ou seja, "ditar a mim mesmo", ou, de outra forma, "ouvir minha voz interior".   Isso produz uma paz de espírito tão grande que a pessoa sai da experiência renovado, pronto pra outra!  Muita gente usa este recurso para resolver problemas que aparentemente se mostravam insolúveis. É a sabedoria divina a nosso serviço!

O mesmo acontece nas catedrais, especialmente as católicas, que possuem o recurso do sino de bronze a produzir som semelhante...  Observe o badalar dos sinos de uma catedral e sinta que o som parece expressar o "ômmmmmmmnnn" dos budistas. É o som da conexão com a Mônada, a energia divina que está dentro de todos os seres. Imagine uma cidade católica nas montanhas de Minas Gerais, São João del Rey, por exemplo, com todas as maravilhosas igrejas tocando ao mesmo tempo. Que convite irrecusável para a reflexão e a oração! Dentro de uma igreja, parece que o ambiente é mais limpo e menos carregado, graças à influência do som dos sinos. Se a esse badalar agradável é acrescentado o som de vozes humanas, então, a conexão está perfeita. O "Améééémmmnnnn" cantado regularmente nas missas tem o mesmo efeito de limpar o ambiente de energias pesadas. Tudo em nome da beleza! Ela também conduz ao sagrado, como no ambiente de penumbra e incenso de uma grande catedral européia da idade média. Imagine-se assistindo um cerimonial na catedral de Notre Dame, Paris, à beira do Rio Sena, ouvindo cantos suaves em latim. O céu não estará muito distante. 

Não se pode dizer que a catedral de Gravatal seja Notre Dame, muito ao contrário, trata-se de uma igrejinha simples, sem grandes colunas, com acústica imperfeita e tudo o mais que caracteriza uma construção feita com parcos recursos, mas, na tarde de sábado, coral após coral, nossos ouvidos iam se acostumando ao som sagrado. Foi quando o Coral Encantos, de Florianópolis, entoou um canto evangélico. Todos ficamos grudados nas faces cantoras que acompanhavam o comando do regente Robson Medeiros Vicente, ora aumentando o volume, ora diminuindo até o limite de nossa sensibilidade, ou fazendo nosso coração explodir em júbilo e lágrimas que rolavam sem controle de nossos olhares encantados.


Coral Encantos, de Florianópolis

Quando um coro essencialmente católico canta um hino clássico evangélico, fica claro que a religiosidade e sua emoção não tem donos. Assim é que deve ser. "Mestre, o Mar se Revolta" foi composto em 1831, na cidade de Chicago, EUA. Mas, poderia tê-lo sido num mosteiro budista da Índia ou católico do interior de Minas Gerais. O importante é a conexão espiritual que ele possibilita. Como seria igualmente possível num hino católico, cantado pelas vozes de um coro luterano, ou numa canção luterana, cantada por vozes anglicanas, como nessa gravação clássica do coro Monteverdi, de Londres.

https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=ggm0SZCWKZo


O Monteverdi Choir 

foi escolhido há alguns anos como o melhor do mundo, 
pela revista Deutch Gramophone.