quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Em busca do Tango perdido - MONTEVIDEO



Em 1520 o navegador português Fernando de Magalhães andava pelos mares do Atlântico Sul, contratado pelo império espanhol, assim como havia sido o italiano Cristóvão Colombo. Era prática dos espanhóis reunirem a seu serviço os mais notáveis navegadores daqueles tempos e, por isso mesmo, a Espanha acabou sendo o primeiro império onde o sol nunca se punha jamais. Ao explorarem o imenso delta do Rio de la Plata, sequer imaginavam ser ali o desaguadouro de tres grandes rios sul americanos, o Paraguay, o Uruguay e o Paraná. A expedição de Magalhães andava buscando uma passagem para o Oceano Pacífico, que tornasse possível atingir os fantasiosos reinos da Ásia, cuja passagem por terra e mar estava obstruída pelos hereges muçulmanos. Enquanto não encontravam o famoso canal que tornaria imortal seu descobridor, a marujada só avistava grandes planuras na direção do interior, nesta altura do continente, navegando por águas que posteriormente seriam manchadas pelo sangue, suor e lágrimas das batalhas navais que disputavam sua posse. Então, um marinheiro de origem desconhecida chega ao comandante e pronuncia uma frase levemente parecida com a língua portuguesa: "Monte, vi eu".  Estava batizada aquela que seria uma das mais belas cidades da América do Sul, Montevideo. De fato, bem na frente da cidade, encontra-se o único monte (vá lá, que seja!) num raio de centenas de quilômetros. Defronte a este monte, floresceria uma cultura que tornaria suas músicas conhecidas com fama universal, o Tango e a Milonga, o encontro da melancolia com o tesão, da estética para exibição exterior com a meditação para apaziguamento do fogo interior. 

Quase quinhentos anos depois, aquelas águas barrentas e tintas de sangue ibérico seria inspiração para a Milonga de um rapaz brasileiro, gaúcho de Pelotas, aqui cantando num colégio de Porto Alegre.





Montevideo já passou por poucas e boas, várias vezes, de acordo com a roda do destino que governa os ciclos da vida. Foi o paraíso da classe média argentina e brasileira, que ia jogar em seus cassinos e passear pelas suas alegres avenidas, ramblas, teatros, áreas verdes e praças, até que em 1973 um terrível golpe militar instalou o facismo no país, como já o havia sido feito sob inspiração da CIA norte americana no vizinho Brasil.  Por tres décadas, o país e sua capital regrediu dramaticamente, tornando-se uma cidade de velhos, ela própria velha e decadente. Sem saídas, os mais competentes emigraram em massa e a juventude mais consciente caiu na luta armada.  Alguns jovens que cruzaram a fronteira para o Brasil, fugindo da derrota inevitável, acabaram presos pela ditadura brasileira e, invariavelmente, eram devolvidos à polícia política uruguaia, onde passaram o pão que o diabo amassou, depois de o terem amassado previamente nas próprias prisões brasileiras. Felizmente, aquele período passou, como tudo na vida passa. De dez anos para cá, Montevideo se reconstruiu e hoje é uma cidade alegre, festiva e auto confiante. 

Passei apenas dois dias em Montevideo, a caminho do festival internacional de tango em Buenos Aires. No entanto, mesmo em tão curto período de tempo, eu me apaixonei pela cidade. Chegando numa sexta feira de noite, hospedei-me num Hostal simples, o Esplêndido, sem ostentações, onde você próprio carrega a mala, já que paga um precinho bem camarada, e é tão bem atendido, talvez até mais, que nos hoteiszões caros.  Estes, também os há, a critério de sua escolha e de seu bolso. Há vários cinco estrelas, com seus porteiros que mais parecem oficiais da armada napoleônica, tantas medalhas apresentam no peito. 

Na manhã de sábado, não convém ter pressa. A suave "pendiente" (descida) da Avenida 18 de Júlio convida para uma caminhada em direção à Rambla que margeia as praias do estuário do Rio de la Plata. Sem qualquer programação prévia,  o final da caminhada coincidiu com a chegada ao imperdível Mercado do Porto. Depois de percorrer as lojinhas de especiarias, doces e artesanato, abanquei-me numa das várias Parrilhas do local, que, em seu conjunto polifórmico e multicolorido, formam uma das melhores churrascarias ao vivo do planeta. Se você não é fan de carne vermelha, pode esbaldar-se com os pescados. Até mesmo opções vegetarianas não faltam para o comensal de bom gosto. Eu fui de "Vacio à la Parrilha" e minha companheira de viagem curtiu uma das maravilhosas massas feitas com o excelente trigo uruguaio, ambos devidamente embalados pelo maravilhoso Tannat "crianza", ainda jovem, safra 2012, que passou um ano em barris de carvalho.  Devidamente abastecidos, subimos de novo na direção da referencial Avenida 18 de Julio, altura da Praça Independência, onde está a principal joia arquitetônica da cidade,  o Teatro Solís, de 1856, refinado palco da cultura no país. A visita guiada a suas dependências leva cerca de uma hora. Do mesmo lado da praça fica a Puerta de la Ciudadela, um dos poucos resquícios remanescentes do período em que a cidade era cercada por uma muralha. Dali é possível avistar do outro lado da praça o Palácio Salvo, um dos prédios mais emblemáticos da cidade. Agora, indo em direção à Plaza de la Constitución, você irá se deparar com a Igreja Matriz, de 1799, e o Cabildo, onde eram tomadas as decisões políticas mais importantes da colônia. Ainda no centro antigo, o Peatonal Sarandí é um calçadão que concentra livrarias, lojas, restaurantes e cafés. Um bom lugar para se perder entre tragos, para quem é de trago, café com doce de leite, pra quem é de café,  ou taças de vinho "tannat" para todos, que ninguém é totalmente de ferro! 

Depois de uma boa soneca no hotel, vale a pena estar atento para a programação cultural nos vários teatros e ambientes públicos, onde se apresentam espetáculos de Tangos e Candombes.  Montevideo é um dos principais centros onde nasceu o Tango, que se desenvolveu a partir da região portuária, onde era mais evidente o choque entre a cultura local com a música que chegou com os imigrantes europeus no século 19. Ao contrário de Buenos Aires,  aqui segue sendo importante a  formação clássica para os conjuntos de tango, que é o sexteto, ou “orquestra típica”, composta de piano, dois bandeneons, dois violinos e um contrabaixo. Já o Candombe, originalmente era uma manifestação rítmica produzidas pelos escravos africanos no século 18. Influenciou fortemente a formação do próprio Tango e, com o passar do tempo, incorporou uma dança própria, que resultou num carnaval muito típico de Montevideo, com seus batuques em marcha, muito mais simples que as escolas de samba no Brasil, porém preservando sua origem eminentemente africana, que evoca as festas organizadas pelos escravos. Hoje, o melhor lugar para apreciar esse estilo musical é nas próprias ruas dos bairros Sur e Palermo, especialmente em feriados e finais de semana. No campo musical sofisticado, o Uruguai também está retomando sua importância no cenário hispânico. Um de seus principais artistas é Jorge Drexler, ganhador de um Oscar de melhor música com o filme Diários de Motocicleta e fazendo grande sucesso no mundo todo, inclusive no Brasil. 



No domingo, é conveniente baixar um pouco a bola,  uma programação "mais leve", talvez uma partida de futebol no lendário Estádio Centenário, onde foi decidida a primeira copa do mundo, em 1930. Campeão: Uruguai, claro!  De manhã você pode aproveitar fazendo um tour no ônibus turístico de dois andares, que tem paradas nos principais pontos de interesse da capital, com serviço de som em várias línguas, que explica detalhadamente a história e o significado de cada ponto: 

Algumas fotos colhidas em nosso passeio:
https://plus.google.com/u/0/photos/107372085103108652320/albums/5920256145775191713?sort=1

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