domingo, 29 de junho de 2014

Diálogo de Surdos






Se o o que rola nas redes sociais tipo "facebook" serve de modelo da realidade, vamos mal! Principalmente vamos mal se o foco de análise for a capacidade das pessoas de interagirem-se, de se colocarem em pontos de vistas diferentes mantendo a dignidade e o respeito pelo semelhante, ou seja, de se comportarem de forma civilizada. 



Depois de trinta anos de redemocratização, o que vemos são agrupamentos políticos interessados apenas nos próprios umbigos, disputando de forma raivosa os espaços públicos e o poder. A política já não se constitui em ferramenta de evolução social e pessoal, mas, é apenas o território perigoso da mentira e da supostamente esperta enganação. 


Tirando raríssimas exceções, os posts aqui colocados estão a defender uma posição solidificada e tão firmemente ancorada em interesses pessoais, que perdeu-se o sentido do debate. 

Na campanha eleitoral em curso, por exemplo, vemos de um lado o pessoal do governo a espalhar mitos e meias verdades, como valores absolutos que justificam sua permanência no poder, que não querem largar de maneira nenhuma, custe o que custar. Um deputado do PT de Pernambuco chegou a afirmar "Fui um bom oposicionista no passado. Depois que virei governo, gostei tanto da brincadeira que não saio daqui nem puxado por tres juntas de bois". E quando as "tres juntas de bois" significam mais do que o seu valor em ouro, agregando nesse desejo um enorme ego metro-umbilical, percebe-se o baixo nível de qualidade pessoal dos que estão envolvidos em "ser governo", e o que isso significa para a nossa cidadania em geral. Ao mesmo tempo, cuidam de desacreditar e jogar no ridículo todos os seus adversários, tratando-os de maneira torpe e desrespeitosa. 

Apoiadores do governo Dilma ridicularizam adversários
Quando os militantes do PT e de alguns partidos aliados, notadamente os do PCdoB, colocam no mesmo saco de gatos todos os que lhes fazem oposição, na verdade não querem discutir nem debater coisa alguma. Apenas tratam de agredir seus "inimigos". Para estes governistas, a manutenção do Poder em suas mãos (ledo engano, já que o "poder" real no Brasil nunca mudou de mãos), é o objetivo fundamental de suas atividades políticas. Vejam que eles costumam chamar pejorativamente de "coxinhas" todos os grupos oposicionistas, desde o mais burocrático parlamentar do PSDB ou PFL, notórios liberais conservadores, até o mais empedernido militante comunista do PSTU, PCB ou PCO, que usualmente estão milhas mais à esquerda que o PT e o PCdoB. E propositalmente se esquecem que a sustentação do governo se dá por personagens tragicamente ligados à ditadura militar, ao latifúndio e às elites eternamente dominantes no país, gente como José Sarney, Fernando Collor, Renan Calheiros, etc, agrupados em partidos muito mais conservadores e corporativistas do que os da oposição pequeno burguesa.  

Favela de Bombaim, India, é apresentada na mídia internética como se fosse localizada nos Estados Unidos
Dentro da campanha insidiosa de desmoralizar qualquer oposição, os governistas tentam conectá-la simbolicamente com os valores norte americanos, numa suposta manifestação anti capitalista, não fosse o Brasil de Dilma uma das mais atraentes aplicações financeiras para o capital internacional, graças aos juros estratosféricos que pagamos. Recentemente, militantes petistas fizeram circular uma foto, supostamente tirada de uma favela na cidade de Detroit, afim de caracterizar a "decadência do capitalismo". Felizmente, graças ao novo mundo inter-conectado em escala global, rapidamente vários posts reportavam a verdadeira fonte informativa de onde veio aquela foto: uma revista inglesa sobre economia e desenvolvimento, mostrando a cidade de Bombaim, na Índia, sobre a qual a revista fazia extensa reportagem, falando de seu novo planejamento urbano, aliás, coisa inexistente nas grandes metrópoles brasileiras administradas por petistas ou aliados.   


Por outro lado, fazendo de conta que os governistas estão todos metidos em profundas encrencas morais e criminais, o que no fundo não é verdade, corre o rio de larvas ardentes da oposição. Quem vê os posts do suposto candidato que vai renovar os princípios morais e éticos da política, pensa que o cidadão nasceu puro e santo, nesta santa manhã sacramentada pelos deuses das boas intenções. 






É um diálogo de surdos e tenho dúvidas se alguém, em uso são de suas capacidades mentais, vai definir seu voto ou sua opinião com base nesses tão precários debates. E pior, nada indica que durante a campanha eleitoral, algo vá mudar para melhor, ao contrário. A própria urna eleitoral eletrônica começa a ser objeto de questionamentos, logo ela, um dos orgulhos da tecnologia nacional. A cada eleição o Tribunal Superior Eleitoral chama os partidos para que indiquem técnicos ou representantes, afim de participarem de auditorias sobre a confiabilidade do processo de votação e apuração das eleições. Além disso, várias entidades internacionais também são acionadas com esse fim, uma vez que os partidos raramente se interessam pelo assunto. Pois, no momento de apuração dos resultados, sempre surge um ou outro político, normalmente derrotado, colocando em dúvida a respeitabilidade do processo, que, na verdade, representa um grande avanço nas práticas eleitorais do Brasil arcaico, que sempre votou por cabresto. Se ainda existe algum, estes cabrestos se dão ao nível da campanha mesma, dos programas televisivos e das propagandas enganosas, por que a eleição brasileira está entre as que melhor se apuram no planeta.  



A triste realidade mostra que, infelizmente, talvez sejam nossos próprios partidos políticos que não a mereçam!


Há quase cinquenta anos, um compositor letrista foi perseguido e proibido no país, por que descrevia em seus versos a realidade de um Brasil submerso no terror e na ignorância. Será que, às portas da Era de Aquario, teremos que novamente conviver com um país dominado por oligarquias midiáticas, em plena era da informação? Será que a política estará repetindo as práticas nazi-fascistas da ditadura militar? Será que voltaremos a eleger candidatos, a partir de suas propagandas enganosas, sem qualquer debate que esclareça o eleitor sobre a natureza e personalidade dos representantes que está escolhendo?



Espero sinceramente que não!

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Alto Douro Vinhateiro



Foto premiada em concurso mostra o espetáculo das vinhas no Alto Douro, Portugal 

Começara a crise econômica européia em 2007. Eu encerrava com chave de ouro minha peregrinação pelos mais significativos templos católicos do mundo. Lourdes, Pilar, El Escorial, Fátima, Santo Antonio de Lisboa, Santiago de Compostela e Matosinhos, este último ali mesmo na cidade do Porto.

Chego na portaria do pequeno hotel e pergunto à simpática senhora da recepção (aqui a narração merece um parêntesis: senhoras idosas em recepções de hotéis só encontrei na Europa e em Havana).

--- Diga-me uma coisa, por favor, senhora. Se eu fosse um turista português, de Lisboa, digamos, qual passeio recomendarias na região do Porto, além da cidade?

--- Haaa!, se fosse eu, escolheria comer um cabrito assado no Alto Douro. Podes pegar o trem na estação Campanhâ, passar o dia nas montanhas e voltar à noitinha.

Fiz conforme a programação da sensata conselheira.
Passei um dia maravilhoso, mas, infelizmente não encontrei cabrito assado.



No interior de São João da Pesqueira estão aldeias tão antigas quanto o próprio Portugal 







Agora, seis anos depois, eis-me novamente no Alto Douro Vinhateiro, em busca de seus sabores incomparáveis e de seu vinho maravilhoso, seguramente um dos melhores do mundo.





Regiões Demarcadas são zonas de lavouras estanques que produzem sob condições de qualidade severamente controladas, de modo a torná-las inconfundíveis em suas características. Tais como as regiões demarcadas para produção de vinhos, das quais o Alto Douro foi a primeira do mundo a ser efetivamente regulamentada. Esse importante fato histórico deu-se no ano de 1757, menos de dois anos depois do grande terremoto que arrasou Lisboa.

A criação da zona demarcada foi iniciativa do Marquês de Pombal visando agregar valor às exportações de vinho, notadamente para a Inglaterra, e fazia parte do grande esforço feito pelo país para recuperar-se da tragédia e reconstruir a capital. Outra medida extrema naquela direção, tomada pelo então primeiro ministro do Rei Don José I, foi o aperto fiscal nos produtores de ouro da província de Minas Gerais. 







Hoje o Alto Douro é uma das regiões mais ricas de Portugal, com suas cidades de pequeno porte, porém extremamente limpas, organizadas e acolhedoras, com economias baseadas na produção de vinhos, complementadas por azeites de oliva. Nesta região, o Rio Douro se transforma num paraíso navegável, de onde se observa nas encostas o espetáculo das vinhas, entremeadas por formidáveis construções, algumas das quais produzindo os mais apreciados vinhos do planeta, incluindo os famosos "vinhos do porto", caracterizados pela sua extrema doçura natural, embora os adeptos da arte dos someliers prefiram os vinhos maduros, tintos e secos. Ainda que os brancos também sejam de qualidade superior, ideais para acompanhar os pescados do rio, saboreados em tabernas ao largo das margens, fritos ou ensopados.  


Barcos de grande porte navegam pelo Alto Douro, com turistas do mundo inteiro.  

A culinária é um espetáculo à parte, com suas comidas rurais de montanha que vão desde cozidos de carne e caldeiradas de peixes do rio, até o tradicional bacalhau preparado à moda lusitana, em suas diversas versões. 


A principal porta de entrada para o Alto Douro é a Cidade do Porto, onde convém ficar pelo menos uns tres dias, afim de aproveitar o que esta pequena metrópole oferece em termos de cultura, lazer e culinária. São imperdíveis os passeios de barcos que incluem as vinícolas do outro lado do rio e as tabernas do lado de cá, mais próximas do centro histórico. 

Quando achar que chegou a hora apropriada, e se estiver pronto para deixar a cidade grande e mergulhar na verdadeira alma do Douro, é subir a serra de trem. Também é possível ir de carro, porém, nada se compara à viagem de trem, com suas paisagens deslumbrantes, parando em pequenas estações ao longo do caminho, lugares tão antigos quanto o próprio Portugal. 

Ficamos hospedados em Peso da Régua, um próspero centro de comércio e lazer, onde há maior disponibilidade de acomodações a preços que variam entre 80 a 200 dólares, enquanto certos resorts na região chegam a 500 dólares por dia para duas pessoas.  Em compensação, os restaurantes oferecem refeições de alta culinária, acompanhada por excelentes vinhos, a custos médios de 30 dólares para duas pessoas. Muito mais em conta que restaurantes portugueses no Brasil !

Lá em Peso da Régua alugamos um carro por 50 dólares ao dia, enquanto o mesmo modelo sairia por no mínimo 100 dólares nas grandes cidades de Porto, Coimbra ou Lisboa. Coisas do interior, para quem gosta da vida simples, passeios em ar perfumado de roseiras, visitas a castelos e igrejas perdidos no tempo... Ainda com a vantagem de sermos os únicos brasileiros na área, ao contrário das cidades do litoral, onde se escuta por toda parte nosso inconfundível sotaque diferenciado, que tanto trabalho dá aos portugueses para nos entender.   



quinta-feira, 5 de junho de 2014

Revolução dos Cravos


As muralhas e os jardins de Braga servem de cenário ao poeta da revolução necessária 

Em 1974, Portugal vivia sua fase obscurantista, iniciada ainda em 1926, com um golpe de estado patrocinado pelos comandos militares de então. O controle do poder acabou nas mãos de um extremamente conservador militante religioso e economista, chamado Antonio de Oliveira Salazar, um catedrático da Universidade de Coimbra, o qual tornou-se o mais famoso nome e símbolo da ditadura portuguesa, vindo a ser admirado pelos fascistas do mundo inteiro, inclusive pelos brasileiros, que nele se inspirariam para implantar aqui um regime de igual teor, inspirando igual temor, o auto denominado Estado Novo.

De "novo", o estado não tinha nada. As soluções propostas por Salazar eram as de sempre: diminuição drástica de gastos públicos, proibição da circulação e debates de idéias, acompanhadas de repressão brutal, que mantinha as cadeias lotadas de prisioneiros políticos, submetidos à toda sorte de torturas físicas e morais. Nós brasileiros mais idosos conhecemos bem essa realidade, pois, depois do nosso próprio Estado Novo, apenas decorridas duas décadas e já experimentaríamos novamente mais um período de ditadura inspirada no fascismo. Entretanto, para os que não sabem o que foi aquele período, ou queiram ter uma idéia de como é irrespirável o ar que paira sobre uma ditadura, recomendo o belíssimo filme alemão "Trem Noturno para Lisboa", que recém passou em rede comercial e deve existir ainda em locadoras no país.    

Formalmente, Portugal também tinha partidos políticos em funcionamento supostamente normal, inclusive elegendo o presidente da república, o que passou a ser feito indiretamente pelos parlamentares, sob estrito controle ditatorial, ante o remoto risco de alguém da oposição vencer o pleito. Mas, quem mandava mesmo era o Presidente do Conselho de Ministros, ou seja, Salazar. O ditador teve trágico destino:  em 1968, no apogeu do poder absoluto, sofreu um derrame cerebral. Ficou ainda dois anos em estado vegetativo, até que veio a falecer em 1970. Em seu lugar, assumiu Marcello Caetano, um fantoche do regime, pau mandado da aliança conservadora entre o catolicismo mais arcaico e as lideranças políticas regionais mais atrasadas e autoritárias. Como todo bom demagogo, Caetano começou seu mandato com um novo apelo à esperança da sociedade portuguesa em dias melhores. Qual o quê? O próprio lema de seu governo evidenciava a farsa: "Renovação na continuidade", rsrsrs. A polícia política e a exploração da nação por uma elite sanguinária continuaria a ser o mote central do governo. 

   

Por baixo dos cenários oficiais, nos meandros da guerra colonial movida contra os africanos, germinava entre os militares mais novos um sonho impossível: a derrubada da ditadura. Aos poucos foi se estabelecendo uma tênua rede de relacionamentos entre militares, intelectuais e a juventude civil, resultando numa aliança clandestina que se manifestaria de forma inesperada. Tão inesperada que, na noite de 24 de abril de 1974, Marcello Caetano ocupava sorridentemente sua cadeira especial no estádio da Luz, para assistir uma importante partida de futebol. Mal voltou ao palácio, pouco depois da meia noite, e foi surpreendido pelo anúncio da revolta, cujo sinal combinado secretamente era o entoar da canção Grândola, Vila Morena, por uma emissora de rádio de Lisboa. 


Estava finalmente concluída uma das etapas mais tristes da história da grande nação portuguesa. Naquele 25 de abril de 1974, começava uma nova era, a Revolução dos Cravos.