terça-feira, 21 de outubro de 2014

Saudades do Brasil





Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim 
(Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 1927 — Nova Iorque, 8 de dezembro de 1994)


O popular Tom Jobim, erudito, culto, simplório, não-criador de pássaros (por que os preferia soltos), que sempre compunha junto à natureza, foi o mais completo compositor, maestro, pianista, cantor, arranjador e poeta musical brasileiro. 

Chico Buarque o chama "meu maestro soberano". Ele próprio se espelhava em Villa Lobos, de quem começou a certa altura da vida a imitar o estilo, inclusive os charutos inconfundíveis que o mestre fumava sem parar. Na juventude, Tom se associou a vários compositores do primeiro time da MPB para fundar um estilo marcante, de uma musicalidade que encantou o mundo, muito próxima do melhor que o jazz poderia proporcionar: a Bossa Nova. Com ela Jobim correu o mundo e se apresentou ao lado das maiores feras do show business norte americano. 

Após os 50 anos de idade, Tom Jobim começou uma investida para o fundo do Brasil, fugindo do estilo que o consagrou na zona sul do Rio de Janeiro. Foi nessa caminhada que começou a seguir os passos de Villa Lobos, em busca da essência da alma brasileira. Ele concluiu que essa essência não estava nos ritmos africanos que geraram o samba, nem nas toadas ibéricas que geraram a modinha, as músicas românticas e os sambas canções. Tom Jobim foi buscar a brasilidade no batuque do índio e na dança das florestas, no azul infinito dos cerrados e na luta desesperada pela vida, encenada pelo homem da caatinga nordestina.   

Não sei se foram as infindáveis noitadas nas boates de Copacabana, curtidas à whisky e bossa nova, após terminarem as várias apresentações que fazia por noite, afim de ganhar o sustento desde mocinho, pois na infância lhe faltara o pai de classe média tijucana, deixando-o como "chefe de família" precocemente. Não sei se foram os demorados almoços nas churrascarias do Rio de Janeiro, herdeiras das tradições gaúchas, assim como eram as tradições de sua atávica origem familiar Jobim.   Não sei se simplesmente foi o destino.   O caso é que o Maestro desenvolveu uma trombose muito séria apenas havia completado 60 anos de idade, contra a qual lutou "bravamente" entre charutos, churrascos, whiskies e amigos, em fantásticas festas musicais, até sucumbir num hospital de Nova York, onde foi buscar o inútil tratamento, uma vez que as causas originais nunca foram efetivamente combatidas. 

Assim, muito cedo perdemos nosso maior gênio musical. Felizmente, ficaram suas gravações. Na última fase, recolhia-se amiúde no ambiente familiar com o genro Danilo Caymmi e as filhas, entre as quais as adotivas Cinara e Cibele. 



“A minha música deve muito às árvores, às montanhas, ao mar, à costa, aos pássaros ... Tudo isso é um grande estímulo pra escrever música. Pra sentar de manhã, ver o sol e achar que a vida é bonita, que é um troço que vale a pena ser vivido”, disse Tom Jobim ao lançar o álbum Passarim, em 1987.  Aqui, ele se torna um ecologista cada vez mais radical, como na canção Borzeguim, que etimologicamente é uma espécie de coturno militar com o que ele nomeia um personagem oculto na canção, provavelmente seu próprio alter ego caminhando pelas veredas sem trilhas no meio da mata, intimando o caçador "coisa ruim":  “Deixa o tatu-bola no lugar / Deixa a capivara atravessar, / Deixa a anta cruzar o ribeirão, / Deixa o índio vivo no sertão, / Deixa o índio vivo nu, / Deixa o índio vivo, / Deixa o índio, / Deixa, deixa, / Escuta o mato crescendo em paz, / Escuta o mato crescendo, / Escuta o mato, / Escuta”.


Matita Perê foi lançado em 1973, quando o ambiente político convidava para certo recolhimento. As forças de inteligência e operações especiais da ditadura haviam acabado com os movimentos guerrilheiros urbanos e, na falta do que mais fazer, passaram a infernizar o mundo intelectual e artístico, em busca de novos "comunistas". A repressão e censura era pesadíssima, então, Jobim mergulhou para o interior do Brasil numa saga musical e poética, levado pela mão inspiradora de João Guimarães Rosa. 


Orquestrações na linha da genialidade arranjadas em parceria com Dory Caymmi, poema magnífico escrito por Paulo Cesar Pinheiro, gravação primorosa feita nos Estados Unidos, tudo isso fez de Matita Perê um álbum fundamental na história da MPB. Assim como a música de Jobim, a lenda de Matita Perê é cheia de mistérios,  vastas paisagens, profundidade, beleza e multi-funcionalidade. Tanto pode ser uma velha bruxa como um pássaro matreiro. Em algumas regiões do sertão, está associada ao Saci Pererê. Vamos ouvi-la numa gravação em homenagem póstuma a Tom Jobim, feita pela Sinfônica de São Paulo. O cantor teria que ser necessariamente um mineiro: Milton Nascimento.

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