quinta-feira, 25 de agosto de 2016

ENVELHECER SEM FICAR VELHO


Velhos costumam não perceber do envelhecimento a sensação.
É como se o mundo sempre tenha tido a mesma e velha vibração.
Nada mudou, continuamos sentindo a grata presença da infância primeira.
Mas,  de repente já nos foge a capacidade de repartir o gosto da brincadeira.

Que terá acontecido, se já não consigo manter o mesmo entusiasmo?
Como foi que a vida veio gradativamente se tornando apenas este marasmo?
Questionamentos sem respostas prontas, mostrando uma certa aproximação
Na direção do centro vital, o verdadeiro EU,  enfim objeto de uma nova relação.





O envelhecimento está começando a entrar na ordem do dia. A Gerontologia está atraindo a atenção dos jovens estudantes, como campo de pesquisa interessante e desafiador. Isto por que seremos mais da metade da população mundial no ano 2050. Hoje no Brasil, o segmento acima de 50 anos já somos 13% da população. 
A projeção do futuro é ambígua. Se, por um lado, a atenção com os "velhos" tende a torná-los mais visíveis, diminuir o preconceito e amortecer o terrível "medo da morte pelo envelhecimento", por outro lado a super população de idosos aponta que alguns privilégios vão acabar, como os atendimentos preferenciais, vagas em estacionamentos, prioridades no sistema de saúde, etc. 
o FATO É QUE A MAIORIA DAS PESSOAS NÃO SE PREPARA PARA O ENVELHECIMENTO. O próprio termo "aposentado" é um terrível vaticínio. Significa ficar restrito aos "aposentos". O termo inglês "retired" significa "retirado". Por isso, tanta gente tem verdadeiro pavor da aposentadoria. Muitos se aposentam, mas saem desesperadamente em busca de outro emprego e, quando não o conseguem, entram em desespero existencial. Eu, de minha parte, jamais me conformarei em ser retirado do sistema de consumo e produção, ou confinado a meus aposentos. Mas, também não vou em busca de outro emprego. Mantenho um pequeno negócio de tempo parcial, que me dá 30% da renda total, e já me ocupa suficientemente com trabalho e problemas para resolver. E só ... O resto do tempo eu passo aperfeiçoando certas coisas, como a paciência, a sabedoria intuitiva, a capacidade literária tanto para ler quanto para escrever. Ou seja, coisas que são geridas pelo lado esquerdo do cérebro, o lado da ordem e da organização. Segundo os estudos recentes, este é o lado que os idosos desenvolvem com o envelhecimento. Porém, o que acontece com a maioria das pessoas é o declínio do lado direito, o lado da criatividade, da alegria, da aventura, ou seja, o lado da "juventude". Também é o lado da conexão espiritual e da intuição, o lado atemporal do "aqui-agora". Abençoados aqueles que conseguem manter desperto este lado direito do cérebro, por que dele será feita a felicidade na velhice. Manter um lado direito do cérebro ativo, é como envelhecer sem ficar velho.

Na verdade, eu não sei se esta explicação neurológica faz sentido. Talvez do ponto de vista físico, mas, ao nível do astral e mental superior, o que importa é a evolução da consciência de si mesmo. Uma velhice sadia pressupõe que algumas faculdades físicas vão mesmo entrar em declínio, como a erótica, por exemplo, em benefício de outras, como a capacidade de contemplação. Neste campo entram as atividades artísticas. Cantar num coro é algo gratificante e exige apenas algum esforço inicial de aprendizado. Ninguém espera que você venha a ser um Pavarotti. A evolução no caminho espiritual, entendido como o crescimento do mundo da ignorância em direção à iluminação, é naturalmente esperada na velhice, porém as igrejas convencionais costumam tratar os velhos como seres em processo de descarte e eles são apenas suportados. Mas, existem outras alternativas pessoais, sem necessariamente ter que abandonar a religião de sua vida. Há um mundo à parte nas práticas de meditação, por exemplo, assim como nos encontros grupais de desenvolvimento espiritual, biodança, prática teatral, terapia ocupacional, grupos de crescimento pessoal, etc.
O auto aperfeiçoamento no envelhecer muda as prioridades. Agora, talvez seja mais importante desenvolver a humildade, a generosidade e a capacidade de novos aprendizados, em contra partida a um declínio nos interesses de acumulação patrimonial, beleza pessoal ou reconhecimento egóico. Não se preocupe demasiado com os que vão ficar, os herdeiros. Usufruas daquilo que fostes capaz de guardar ao longo da vida. Amor, prazer e alegria devem ser os objetivos agora. E esqueça esta fantasia da "melhor idade". A melhor idade foi mesmo a juventude. Mas, a velhice não precisa ser uma aposentadoria, muito menos uma retirada.

sábado, 20 de agosto de 2016

Inteligência e Razão





O Nous está para a Alma, assim como o Logos está para o Espírito.
O austríaco Viktor Frankl desenvolveu originalmente a Logoterapia,
a partir de suas experiências num campo de concentração nazista.

 

Nos meios intelectuais, nas igrejas, até nas escolas de psicoterapia, quase sempre INTELIGÊNCIA e RAZÃO são vistas como sinônimos. É um equívoco. Os antigos filósofos gregos já haviam percebido que acima da camada a que davam o nome de NOUS, associada com a INTELIGÊNCIA superior,  existia algo mais profundo. A esta plataforma superior de conhecimento intangível eles chamavam LOGOS, que pode ser traduzido como "o princípio cósmico da Ordem e da Beleza", em perfeita sintonia com a energia átmica da divindade. Nos ambientes esotéricos atuais costuma ser chamado de EU SUPERIOR.



  

O vocábulo Logos evidentemente vem do Grego e às vezes também pode incluir o significado do termo PALAVRA. Por isso, muitos teólogos acreditam ter sido esta a razão pela qual o Evangelho de São João, na versão romana, inicia com o verso "No princípio era o verbo e o verbo estava com Deus; e o verbo era Deus...". Só que, na verdade, a versão original em grego, encontrada em Éfeso, inicia com outra palavra "No princípio era o Logos ...", quer dizer, Jesus Cristo era tão perfeito em sua encarnação do Ser divino, que ele já iniciou o seu sacerdócio humano com o Eu Superior completamente manifestado. Mas, ele não se confundia com o Deus átmico, o Pai, tal como o conceito da Santíssima Trindade deixa bem claro.   



Este EU SUPERIOR, o Logos grego, é o verdadeiro mundo da Razão; e ele não se confunde com a psiquê ou a inteligência, que estão hierarquicamente abaixo. Por isso, os filósofos sempre foram mais capazes de perceber as diferenças entre Inteligência e Razão, ao contrário de outras áreas do conhecimento, como os psicólogos, por exemplo. 

Atualmente, um novo campo terapêutico está se abrindo. Chama-se Logoterapia (outros estudiosos, como o brasileiro Huberto Rohden a chamaram de Cosmoterapia, talvez de modo mais apropriado). O propósito deste novo campo de pesquisa é o DESPERTAR DO EU SUPERIOR, ou seja, da camada Logos dentro do indivíduo. Esta diferenciação entre Inteligência e Razão é explicada de forma simples pelo seguinte axioma: O 'LOGOS' CONSERTA AQUILO QUE O 'NOUS' ESTRAGOU. Isto significa que a Inteligência é capaz de gerar mais doenças do que pode curar. 




A Inteligência está associada ao Ego da personalidade humana e, como tal, cria doenças muito piores do que o próprio corpo físico é capaz. A medicina alopática cura o corpo físico, com base nos estudos do funcionamento fisiológico, correspondente ao campo SOMA, por isso são doenças Somáticas. Já as doenças derivadas do campo da personalidade são de natureza Psico-Somáticas; e dificilmente são curadas com ferramentas que trabalham no nível da Personalidade. Estas doenças precisam ser tratadas num nível superior, ao qual podemos chamar Logos. O problema é fazer esta conexão entre o Nous e o Logos.  

A Inteligência não permite ao Logos ser desperto, por que a Personalidade gosta de uma vida cheia de gozos e bem-aventuras. Então, na prosperidade dificilmente o Logos desperta, por que não encontra espaço, já que todos estão tomados pelo Ego da personalidade.  Quando vem uma fase ruim, o NOUS se inibe, por que não gosta de tragédias e desgraças. Neste ponto, o LOGOS desperta e toma conta do Ser. Ou seja, a adversidade faz decair o EGO e despertar o EU SUPERIOR. É a única risível vantagem da tragédia: permitir que seja revelado o caminho para se aproximar do mundo do Espírito, ainda que seja apenas uma breve e passageira sensação de que há mais coisas além da fronteira do sofrimento. 
Diante de um sofrimento profundo, pode também ocorrer que a pessoa prefira a auto destruição. Nos campos de concentração, há várias histórias de pessoas que se jogavam nas cercas eletrificadas, para morrer e acabar com o suplício da fome, do frio, das noites de insônias forçadas, das torturas e sofrimentos. O mesmo se dá nas prisões. Este pequeno poema recolhido por mim numa cela de presos da guerrilha dos anos 70, quando eu servia na PE-RJ dá bem a mostra do sofrimento psíquico e físico que acomete um prisioneiro naquelas condições:


"A colher voa, certeira,
Cortando o ar abafado da cela
Entre minha mão e a lâmpada no teto.
Estilhaços, vidro partido,
Fina lâmina, amiga,
Nos meus braços,
Nos meus pulsos
No meu sangue.
Luta amada,
De libertação".  

Já os que conseguem sobreviver aos infortúnios, quase sempre experimentam um grande crescimento espiritual. Na verdade, o caminho para se chegar ao mundo espiritual é a descoberta e o desenvolvimento do Eu Superior, que dispensa a inteligência racional e só pode ser acessado a partir da intuição e da consciência que habita cada Ser. O problema é que estes produtos não estão à venda nos super mercados. Eles precisam ser desenvolvidos. 

Isto não precisa ser feito necessariamente através do sofrimento, mas será sempre um caminho individual. Por isso é tão difícil estabelecer práticas e rotinas terapêuticas. Uma das formas de desenvolver o Eu Superior é a abertura das portas internas de percepção do Sagrado. Isso pode ser feito por orações, meditações, práticas rituais religiosas, etc. Porém, não adianta tentar entrar em contato com um Deus desconhecido e distante, imaginando-o numa certa galáxia nos confins do universo. O Deus que temos que procurar está em nosso próprio centro, o nosso Logos, o nosso Eu Superior. Somente através dele chegaremos ao Deus transcedental, ou seja, à Unidade conosco mesmo e com o mundo.


   


Tampouco é necessário se acreditar num certo Deus, para atingir o Eu Superior. A energia necessária é a do amor. Não a do amor romântico, senão aquela do amor fraterno e metafísico, por todas as coisas e todos os seres. Se o indivíduo conseguir desenvolver a consciência de um poder amoroso superior dentro de si, terá chegado à porta de entrada para o Logos, a coisa mais profunda que há na natureza humana. E poderá curar qualquer doença, física, emocional, mental e até mesmo espiritual.

 

 


 

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

CANTIGAS para uma ALMA EM SOFRIMENTO


Herbie Hancock e Wayne Shorter, gênios do Jazz. Nem por isso muito alegres.
Alguns sintomas e sensações são comuns nos indivíduos acometidos pela chamada "doença da civilização": sensação permanente de cansaço e fadiga, falta de vontade, distúrbios do sono, aumento ou diminuição rápida de peso, dor de cabeça, tensão muscular, dores generalizadas e baixa imunidade contra infecções e doenças. Nenhum prazer em sentir a vida pulsando, como é natural nas pessoas saudáveis.  
Mas, por outro lado, o sofrimento também pode ser uma grande inspiração para a criação artística.




Talvez o artista mais depressivo que o mundo conheceu, tenha sido Vincent Van Gogh.  Suicidou-se aos 37 anos de idade, mas, em sua curta vida produziu preciosidades como a tela reproduzida abaixo.   



O velho bar continua na mesma esquina da pequena Arles,
sul da França, onde Van Gogh o pintou em 1888. 


DEPRESSÃO e MÚSICA


Alguns dos grandes poetas e músicos da história da Arte foram pessoas muito tristes e deprimidas. Mozart, conforme sabemos, foi um gênio da humanidade, mas de vida extremamente complicada, com terríveis problemas familiares com o pai e posteriormente com a esposa. Não tinha a docilidade e obediência religiosa de Back, seu antecessor em importância cronológica dentro do romantismo clássico alemão. No entanto, Mozart era bem mais comportado emocionalmente que seu sucessor, Bethoven, ainda que o primeiro tenha vivido relativamente pouco tempo, enquanto Bethoven morreu velho e surdo. Dizem que detestava Viena e queria muito voltar para sua aldeia na Alemanha, mas tinha maior gosto pela fama e ostentação da vida mundana.

 

No caso da música popular escrita em português, temos uma longa tradição brasileira de chorar as pitangas da mágoa e sofrimento profundo. O que não significa que a música feita de lamentos tenha menos qualidade, seja literária ou musical. 



A coisa começou cedo. Já em 1934 a pequena notável, Carmen Miranda, gravava um samba aparentemente tão alegre que poderia até ser dançado no carnaval. Mas, presta atenção na letra de Luiz Peixoto. Quarenta anos depois, em 1974, ELIS REGINA dava à canção cores mais apropriadas, segundo seu próprio roteiro de vida. 


Em 1955, Ary Barroso fazia um samba para Dalva de Oliveira. A história musical de ambos foi completamente diferente. Ele, alegre e fanfarrão, enquanto Dalva representou ao vivo a primeira tragédia matrimonial da música popular brasileira. 



No final dos anos 50, Maysa lançou esta canção de sua própria autoria. Lembrança dos tempos em que colocou Matarazzo no próprio nome. Especula-se que a letra é auto biográfica. 

Medo é um dos principais motivos do recolhimento da pessoa em sentimentos depressivos. A falta de coragem para o salto pode ser até boa conselheira, em certos aspectos, mas não faz um bom trapezista da vida. Aqui, o cearense Belquior mostra como seria o medo se fosse uma canção. 

A decepção com uma vida sem sentido, cheia de problemas econômicos, sociais e familiares, poderia ser motivo para se suicidar. Mas, do fundo da escuridão pode vir um impulso de vingança, que permita gozar a própria situação e sair para a vida, e que se danem todos ao redor. Ninguém contaria isso melhor que o próprio Luiz Gonzaga Júnior, embora tenha sido ele mesmo que dirigia o carro a 160 km por hora, quando o acidente fatal lhe tirou a vida num amanhecer chuvoso no interior do Paraná. Não deixa de ser um suicídio involuntário, certamente inconsciente.





Ansiedade e drogas;  uma trava, a outra solta. 
Quantos roteiros de vida foram abreviados por essa dupla explosiva? Pelo menos duas: Cássia Eller e Renato Russo.